terça-feira, 28 de janeiro de 2014

MENSAGEM PARA A TURMA DE FORMANDOS 2013.2


Começarei meu discurso como uma retribuição à homenagem de vocês feita aos mestres, agradecendo mais uma vez a  todos o privilégio e a graça de ter convivido estes seis últimos anos em harmonia e clima de amizade e respeito. “Hoje, sabemos que nossos melhores mestres não foram os que ensinaram as respostas, mas, sim aqueles que nos ensinaram a questionar, a duvidar, a pensar e a sonhar”. Estas são as palavras de homenagem aos mestres, impressas no convite de formatura. Belas e dignas palavras de reconhecimento do trabalho de uma equipe, que com todas as dificuldades e diferenças, desde o inicio da reforma curricular vem aperfeiçoando a arte de educar com qualidade e afeto. Portanto, muito obrigado pelas palavras e pelos gestos carinhosos de despedida trocados desde o inicio desta semana.
O que é educar senão acolher e propiciar o máximo possível o desenvolvimento potencial de um individuo ou de um grupo para a responsabilidade pessoal, familiar, comunitária e social, para que encontrem o caminho do cuidado de si e da ação solidária, da construção da paz e da tolerância; para que contribuam para a justiça social participando como agentes ativos nas desigualdades regionais; para o compromisso com a ética nos mínimos atos cotidianos e com a verdade nas relações para que as crianças testemunhem e confiem no processo civilizatório mediado pelos cuidados dos adultos; e para que possam criar, complementar, modificar ou refazer, o que não tivemos ainda coragem, força, ética ou conhecimento suficientes. 
Falo de educar para os sonhos, projetos, ideais comuns que podem transformar e deixar marcas civilizatórias, que nos confiram autonomia como indivíduos e como nação. Falo da reconstrução do laço social desfeito nas grandes cidades, em que são mais visíveis os muros, as câmeras de vigilância e cercas eletrificadas que os espaços de convivência, para que se restabeleça a confiança e os gestos de amizade e carinho, e os sorrisos espontâneos possam novamente prevalecer.
Falo de educar para além da técnica e dos conteúdos programáticos agora reduzidos a protocolos e diretrizes até para o que se pretende como humanização.
Falo de um projeto de educar para a cidadania responsável, para a vivência comunitária como possibilidade de escapar à pressão da financeirização da vida cotidiana em que nossos olhos somente brilham nos shoppings ou com lentes artificiais, e nossos sorrisos são postos na face pelo último antidepressivo no mercado ou congelados pelas injeções de botox.
Como Sísifo, estaremos a tentar, sem trégua, responder aos desafios impostos pelas contradições dos arranjos de poderes sociais, locais e globalizados, legítimos e amorais, técnico-cientificos e ideologicamente comprometidos, produtivistas e exclusivistas, com a educação que considere as diferenças na origem de cada um, mas faça duvidar, questionar, ousar e sonhar com um mundo melhor como vocês sugerem como características docentes ideais.
Vivenciamos ainda um tempo histórico e social imóvel, muito semelhante aquele quando a elite da corte portuguesa desembarcou no Brasil fugindo das tropas de Napoleão. O fosso da desigualdade social permanece profundo, as elites vorazes continuam roubando impunemente, e a aparência de opulência da nação, hoje rica e faustosa, ostentando o sexto maior PIB do mundo, preenche um imaginário secular de “pais do futuro”. Muito rica a nação e muito pobre a maioria da população, nossa elite ainda parece aquela que desembarcou com roupas suntuosas e lenços na cabeça para esconder os piolhos, e leques para esconder os sorrisos enegrecidos pelas cáries. Hoje, esta elite expande seus interesses sobre a saúde apropriando-se não dos bens materiais públicos, que permanecem públicos, mas em um acordo perverso em que mantendo a posse destes bens, permitimos a evasão de uma das fatias mais gordas do erário para a iniciativa privada: a verba relativa a gestão de 51 hospitais universitários federais.
Como médicos e educadores temos que dar conta dos efeitos inevitáveis de uma organização política e social perversa que só enxerga indicadores econômicos e de consumo de bens/coisas. Chico Cesar filosofa cantando “coisas tem um brilho no começo/más se viro pelo avesso/são fardos prá carregar”.
Esta forma de viver tem ampliado os medos à dimensão da paralisia cívica ou da anestesia moral social. Vivemos uma crise ética sem precedentes. Freud afirma em “O mal estar na civilização” que três medos nos impedem viver sem sofrimento: as forças da natureza, o desgaste natural do corpo, e as relações sociais. Para Hobbes, na natureza humana, três motivações levam a disputas e ao isolamento social: competição, desconfiança e glória. O mundo unidirecionado pelo capital em sua forma mais atual, neoliberal, encontra em países periféricos como o Brasil, espaço para espoliar não apenas as reservas naturais, mas também fragilizar as instituições, e ainda assim administrar a desconfiança generalizada com tranquilizantes, câmeras de vigilância, condomínios isolados, segurança armada, e claro, promessas, muitas promessas. Talvez, por isso, sejamos o país do futuro, porque aguardamos eternamente pelo fruto prometido. O Estado autocrático em que vivemos, a democracia para os ricos, não permite mais a confiança, más permite que se administre seus efeitos ilusórios, de completa liberdade, acompanhada de insegurança, desconfiança e medo.
A resposta do governo aos anseios da onda popular, jovem, que nas ruas abalou os alicerces da coalizão política de apoio, com a criação do programa mais médicos, serve bem à reflexão sobre os propósitos do capital: em menos de dois anos, mais de treze mil médicos prescrevendo antibióticos, tranquilizantes, e outros medicamentos, farão a felicidade da industria farmacêutica, enquanto satisfazemos a compulsão de consumo, alimentamos o comportamento aditivo, ainda que de consultas e drogas legais. No entanto, caridade somente não justifica nem resolve problemas estruturais sociais profundos que reclamam reformas urgentes.  Más, é preciso girar a roda da fortuna, para que a atenção primária, brevemente esteja sendo administrada também por empresas públicas de direito privado. A PEC, para este fim, já foi aprovada, em novembro passado.
Despeço-me de vocês, com uma tentativa última de compensação para esclarecer com uma síntese impossível, os desafios contemporâneos impostos para o exercício da medicina, premido pelo tempo e pelas circunstâncias, e com a certeza de que nunca saberemos tudo, que é impossível apreender a realidade, que a interpretamos com os recursos possíveis na classe social em que nos situamos. Procuro mostrar a realidade e seus desafios, desvelar as verdadeiras intenções das boas ações no mundo capitalizado, para que entendam que é na história, nas ações coletivas, no contrato social regido pela razão, que as soluções de paz serão estabelecidas.
Más, retorno às palavras de vocês citadas no inicio, “questionar, duvidar, ousar, sonhar” para que nos despeçamos com a ternura exigida para os momentos difíceis, a marca deixada pelo mais lembrado dos médicos pelos jovens, o revolucionário argentino Che Guevara. Para que vocês se lembrem nos momentos mais duros da lida profissional, que o sofrimento alheio tem nome, cor, origem social, história; que vocês também tem limites físicos; que vocês tem na memória afetiva profissional, identificações ou exemplos para lembrar e espelhar no futuro para as novas gerações, pois a ética humanitária social ainda prevalece e tem na família e na escola a guarda do fogo sagrado do conhecimento responsável, cidadão.
Qualquer que seja o caminho que o desejo os leve a percorrer, e a personalidade que expressem na maturidade, será nos traços identificatórios positivos, nos exemplos éticos, que vocês encontrarão a solução para equilibrar a racionalidade fria da ciência e a amorosidade acolhedora aprendida com o exercício da fé, e dos afetos familiares, dos amigos, e dos educadores. É nesse intervalo, entre o acionamento da razão e do afeto, em um cantinho da memória afetiva de cada um que desejo estar para ser lembrado, quando diante dos desafios diagnósticos e terapêuticos, como acontecia nas reuniões tutoriais: você sabe alguma coisa, complemente pesquisando, discuta com os colegas de plantão, ninguém sabe tudo sozinho, raciocine, associe, e então descobrirá a reposta. Ela está em você, em vocês. 
Desejo que vocês saibam conquistar a felicidade que cada um, a categoria, e a humanidade merece.
Finalizo, agradecendo a vocês e a seus familiares a confiança e o convívio que nos proporcionaram, como docentes, prazer e desenvolvimento profissional.

Muito obrigado, sucesso e felicidade para todos.

MENSAGEM PARA A TURMA DE FORMANDOS 2013.1


Encontramo-nos hoje, aqui, para cumprimento do ritual que vos conferirá o grau de bacharel em medicina permitindo-vos o exercício ético-profissional da arte e da ciência de curar, rehabilitar e prevenir doenças,  e promover  a saúde individual e comunitária. Cuidamos de vocês, ensinando e educando com os recursos físicos e humanos que nos foi possível para que a partir de agora, a nobre missão de cuidar e compreender, de apoiar e ajudar o semelhante, sem distinção econômica, de raça, idade, origem, ou gênero, seja também partilhada com e por vocês. Vocês desejaram, competiram neste mundo desigual e, após uma multiplicidade de estágios e avaliações, como jamais vivenciado antes no curso médico, conseguiram superar os desafios, e hoje estão aqui vitoriosos.
No entanto, para que a vitória seja duradoura e permanente será preciso: cuidar da atualização permanente, da troca de experiências; atentar para a ação politica, zelando pela ética profissional, individual e corporativa, nos sindicatos e conselhos de classe, e demais entidades em que se fizerem representados e representantes; cuidar dos outros como cuidaria de si e de seus familiares; e cuidar de si como cuidará dos outros.
Respeito, ética, honestidade, solidariedade, ousadia, e também uma certa dose de desapego, em equilíbrio com a ambição, característica humana, natural e estimulada no mundo capitalizado, reduzirão a frustração, a ansiedade, e trarão satisfação pessoal suficiente para compor um roteiro de vida exemplar para a comunidade em que elegerem viver, e prepararão um mundo mais receptivo e acolhedor para seus futuros filhos.
Parece que não encontramos satisfação, hoje, sem o glamour e o artificio associado às imagens e prazeres transitórios, fugidios. Más não encontraremos satisfação maior e duradoura se não conferirmos glamour às relações de amizade e companheirismo, em todos os ambientes de convívio, e se não nos fizermos reconhecer pelo que nos é mais característico como profissionais médicos: a qualidade do cuidado, a solidariedade, a empatia, a responsabilidade com a vida.
A felicidade e a honestidade tem algo em comum, algo de precário na condição humana que as torna instáveis, alternantes, temporais, fugazes, necessitando disciplina para alcança-las, um esforço ético para espelhá-las, e então gozar do prazer do reconhecimento em si, e pelos outros. É bom no sentido ético humano, e é saudável conviver com pessoas honradas e felizes. O contrário, promove conflitos e adoecimento.
Cuidar dos outros, pode ser, portanto, uma estratégia, um caminho, para desenvolver potencialidades latentes, que os eleve na condição humana, para bem cuidar de si. Para isso, é preciso aprender a escutar e compreender a dor do outro em sua condição humana, para além do sintoma imediato e da doença, e aprender a lidar com o que dizem de vocês. O que dizem de nós é real, naquilo que sintoniza com nossa auto-imagem positiva, e também no que destoa. O que interessa, é o que podemos e devemos fazer com isso.
Em questão, portanto, o desejo. Faço, digo, quero, nego, afirmo, disfarço, sorrio, choro, acolho, abandono; em tudo que pensamos, fazemos, ou deixamos de fazer, encontramos o desejo, a afirmação da individualidade e do grau de autonomia e maturidade de cada um em equilibrar o que queremos com o que podemos ou devemos.  O equilíbrio entre estes três verbos funda a ética, segundo o filosofo Mario Sergio Cortela. Nem tudo que eu quero, posso, nem tudo que posso, devo, nem tudo que devo, quero.
As instituições delegadas para o aprimoramento ético por meio da educação, e do zelo pelo cumprimento das regras profissionais, cumprem seu papel com eficácia quando em sistemas democráticos, plenos de direitos e garantias individuais.
Atualmente, assistimos e resistimos à intervenção no exercício profissional medico pelo governo, que age à revelia dos conselhos e entidades representativas da educação médica, nacionais e internacionais, como a conceituada SBPC e o Foro Iberoamericano de entidades médicas, com medidas precárias e autoritárias para resolver graves e seculares problemas de saúde pública, dependentes da indiferença das elites econômicas para com a maioria pobre, e da atividade predatória e impune sobre o erário.
A principal medida autoritária, já derrotada pela resistência cívica da categoria medica em todo o país, incluindo os educadores médicos, de estender o curso medico por mais dois anos e obrigar os recém-formados a trabalhar em condições estruturais precárias atenta contra a liberdade individual de escolha sobre os próprios caminhos, atinge o desejo, a ética da vida.
O governo deve sim regular o mercado para atrair profissionais distintos para áreas remotas, mas com condições dignas de trabalho, com plano de carreira e salário digno; com o reconhecimento das diferenças regionais sócio-economicas e epidemiológicas; com o respeito à soberania de um país que se desenvolve apesar da alternâncias dos grupos predatórios no planalto e nos estados e municípios; com o dialogo com as entidades representativas da educação médica para que a população não seja enganada com o preenchimento de vazios sanitários apenas com médicos, quando a solução dos problemas de saúde reclamam 10% do PIB já para a saúde publica, equipes multidisciplinares, estrutura física e rede de referencia e contra-referencia bem estabelecidas. Mas fundamentalmente precisamos com urgência de seriedade e coerência aos princípios que conduziram o PT ao poder para que possamos nos distanciar cada vez mais dos regimes autoritários.
As politicas para a saúde e para a formação medica tem sido descontinuas, quando parecem dar continuidade –  redução dos PETS e dos incentivos aos preceptores -; fragmentárias, quando parecem oferecer um eixo  norteador – ações para os médicos dissociadas das demais categorias -; reducionistas quando parecem ampliadas – não consideram o SUS em toda a sua complexidade -; privatizantes, quando aparentam atender ao público – 60% das escolas médicas são privadas, e o investimento é crescente em hospitais privados como o Sirio Libanês -.
No entanto, com este caos aparente o governo cria a ilusão de uma politica de Estado, sendo na verdade apenas medidas momentâneas, contraditórias, insuficientes para o real enfrentamento da situação de sucateamento da rede pública de saúde, a politica atual servindo somente para tamponar com eficácia reduzida os efeitos nocivos da anterior.
Como exemplo para reflexão temos no Brasil mais escolas de direito que em todo o mundo reunido, e nem por isso temos justiça social com o devido amparo aos mais vulneráveis por sua condição econômica.
Podemos perceber que o poder quando exercido com autoritarismo para maquiar a incompetência ou a subserviência aos predadores nacionais e internacionais da economia atinge a liberdade individual, e a ética do desejo.
Em todos os discursos anteriores, desde o inicio da minha gestão na direção da FAMED/UFAL, tenho afirmado a necessidade da sindicalização e da afirmação do próprio desejo na escolha do futuro individual, a despeito de uma reforma curricular que enfatizou para vocês a necessidade de envolvimento com a atenção primária à saúde.
Reafirmo hoje a primazia do desejo de cada um sobre as politicas maniqueístas para obriga-los ao exercício profissional na insegurança, e atender à vontade de reprodução de um exercício de poder perverso que não muda profundamente a estrutura de desigualdade social e econômica, e busca apenas a financeirização da vida.
Desejo que vocês desejem e cumpram seus desejos, que aprendam que o sucesso profissional depende do equilíbrio de nossos desejos mais egoístas com o bem da coletividade. 
E desejo que sejam felizes com as melhores escolhas que fizerem, porque vocês merecem.







quinta-feira, 7 de novembro de 2013

O CONGRESSO DA ABEM E A PRISÃO DO MÉDICO PARANAENSE



A expectativa sobre o último COBEM – Congresso Brasileiro de Educação Médica – resultou em frustração e tomada de consciência pela maioria participante. Frustração por muitos motivos: a desorganização do congresso sediado em um centro de convenções necessitando reformas urgentes para eliminar o bolor e a sujeira acumulada ao redor; a apresentação de mais de cem pôsteres simultâneos a cada dia, gerando uma balbúrdia própria ao carnaval ou aos mercados e feiras populares como a do passarinho em Maceió, o que me fez desistir de apresentar importante reflexão sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais e gozar com o canto e a arte de Geraldo Maia, um passarinho mais agradável de ver e ouvir; a presença ostensiva e privilegiada de espaços físicos para empresas hospitalares de grande porte e alta complexidade financiadas com o dinheiro público, como o IMIP de Pernambuco e Hospital Sírio-Libanês de São Paulo; stand do programa Mais Médicos, em momento de conflito entre as entidades representativas dos médicos e o governo federal; em meio à desorganização, o uso de mecanismos de controle e vigilância sobre os participantes com funcionários uniformizados com máquinas de leitura digital para controle de frequência; a percepção de que os representantes do Ministério da Saúde detinham o controle sobre a programação do evento e ostensivamente pressionavam a direção da ABEM com falas que poderiam ser lidas como chantagem; falta de apoio aos discentes, que pela primeira vez em muitos eventos da ABEM não puderam dispor de alojamento, transporte e alimentação, dando a impressão de que era importante para a entidade desmobilizar a categoria discente e reduzir o contingente no evento em momento de conflito; discursos “educados”, ou domados, dos representantes das entidades ABEM e DENEM, enquanto os representantes do MS atacavam abertamente a categoria médica; presença de lideranças oriundas da DENEM hoje ocupando cargos ministeriais com discursos autoritários e manipuladores próprios a regimes fascistas.
A luz no fim do túnel pode ser vislumbrada quando os representantes do MS foram vaiados, e no fim do congresso os discentes articularam uma reação à presença das empresas hospitalares. Para Marx o aprofundamento da crise do capital permite reações que desalienam os oprimidos e põe em ação respostas organizadas e mais maduras dos movimentos sociais.
No entanto, a luz ainda está muito distante. A crise não é apenas política, ela é primordialmente ética. A ambivalência e os silenciamentos dos discursos da ABEM e da DENEM, e de alguns participantes do congresso, um certo arrefecimento das demais entidades representativas de médicos, e a ostensiva implantação do programa Mais Médicos, permitiu esta semana mais um lance de espetacularização midiática para a desqualificação da categoria médica, sendo apresentada em rede nacional a prisão em flagrante de um médico paranaense após operação policial de vigilância contínua por dias para verificação do ilícito. O coitado foi usado como o bode expiatório da vez para mostrar a força do aparelho do estado sobre a categoria escolhida como inimiga para se fortalecer diante de uma população desassistida hoje, principalmente de valores morais e éticos. Cumpre-se a promessa do representante da SGETES, feita na mesma Recife, este ano, no congresso da SBPC, de “descer o braço pesado do Estado sobre a categoria médica”. Nada diferente dos discursos de alguns colegas sanitaristas presentes ao COBEM que falavam que era melhor um copo meio cheio que vazio em apologia ao programa do governo. Tanta chantagem, ameaças, espionagem, e posições e discursos neutros, técnico-educacionais, complementam-se ampliando resistências e apassivamento de boa parte da comunidade docente e discente, em contraposição ao propalado nas DCNs de uma formação crítico-reflexiva. Além disso, fere-se um dos princípios fundamentais da ética de que os fins justificam os meios, e não o contrário.
Quanto à luz no fim do túnel, que os cientistas possam encontrar no túmulo do filósofo  Diógenes o cínico, células para sua clonagem e a lanterna para que ele redivivo possa continuar sua procura por “um homem” (honesto?) nesse país.

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Crônicas de uma Educação Médica: O CONGRESSO DA AMEE E A EDUCAÇÃO MÉDICA NO BRASIL

Crônicas de uma Educação Médica: O CONGRESSO DA AMEE E A EDUCAÇÃO MÉDICA NO BRASIL: A Associação das Escolas Médicas da Europa promove anualmente um congresso que atrai médicos e também pedagogos, veterinários, odontólogos,...

O CONGRESSO DA AMEE E A EDUCAÇÃO MÉDICA NO BRASIL

A Associação das Escolas Médicas da Europa promove anualmente um congresso que atrai médicos e também pedagogos, veterinários, odontólogos, nutricionistas, etc, configurando-se como um dos mais importantes eventos na área de educação em saúde. Resolvi participar pela primeira vez após a aprovação de dois resumos de pesquisa para apresentação no formato de pôster comentado. Com ousadia resolvi encarar dois desafios; apresentar os pôsteres em inglês em um congresso internacional, e viajar pela Europa sozinho enfrentando as dificuldades culturais, alimentares, de transporte, etc. Depois de cumprida a missão da apresentação dos pôsteres, com forte sotaque acentuado pelo nervosismo, pude observar atentamente a organização do congresso e tirar algumas conclusões pessoais: o congresso é na verdade uma grande feira para venda de produtos para o ensino virtual, e de cursos, métodos de avaliação institucional ou de estudantes, consórcios, e plataformas virtuais para acesso a periódicos e livros como o famoso UPTODATE. Como todo congresso permite a aproximação de interesses, troca de experiências pelos corredores, divulgação de instituições e currículos, acesso a informações para pós-graduação. Más, tudo é oferecido com preço geralmente elevado, iniciando pelo valor pago em libras esterlinas para a inscrição no evento, que permite o acesso a poucas atividades, posto que muitas delas ocorrem simultaneamente e em apenas dois dias. As estrelas da educação médica concorrem por um premio outorgado pela academia sueca, a mesma que atribui o premio Nobel. Os discursos são alinhados com os do Brasil, as preocupações são as mesmas: humanização da formação (de forte teor mecanicista); ênfase na atenção primária; eficácia dos métodos de avaliação do estudante; virtualização crescente dos métodos de ensino e avaliação. Nada diferente do Brasil, de fato, exceto pela intensa comercialização de todos os produtos, artefatos, e métodos, e glorificação dos currículos e instituições, coerentes com a mesma lógica combatida na formação orientada para as especialidades médicas. E também o fato de que experimentamos e ousamos em áreas distintas, em que muitos deles não têm experiência ou interesse, más que nos trazem soluções. Em meio ao burburinho, é possível identificar colegas do Brasil, em geral comprometidos com a educação médica, participando ativamente do que lhes é possível, inclusive da mal disfarçada ou assumida competição por postos chaves por aqui, identificada por uma postura ansiosa e comentários maldosos, com nome e endereço. Não fazer parte destes grupelhos me permitiu observar e ouvir sem perturbar o equilíbrio desta categoria de desequilíbrio. Nada diferente também do comportamento competitivo dos satanizados especialistas. Nada mais humano também, desde que os grupos conscientizem-se dessa competição velada. Nessa miscelânea de corporativismos e financeirização da educação médica, organizada pelos países de economia mais forte que a nossa, a lição que devemos considerar é a da distinção cultural, histórica e econômica, para que não fiquemos parecidos com macacos de circo que mimetizam gestos humanos e depois aplaudem a si mesmos sem entender exatamente por que. Resta-nos ainda o consolo de uma viagem ampliada de férias para apreciar na cultura e no comportamento o que os distingue de nós. 

domingo, 2 de junho de 2013

EDUCAR PARA PENSAR OU PARA ADAPTAR?


O que aproxima os grupos humanos aproxima também os acadêmicos? E quando os acadêmicos são médicos como aproximá-los para que cumpram a própria missão institucional? Em tempos de globalização todas as fronteiras culturais tem sido postas à prova sem excluir dessas misturas as religiões que se recriam em locais e culturas diferentes das originais. O que não se deve esquecer em nenhum momento é que as mudanças não são tão espontâneas assim, resultando muito mais de políticas traçadas pelo poder econômico dominante do qual as religiões nunca deixaram de ser um braço forte de apoio.

Não somos iguais a ponto de adorarmos o mesmo deus da mesma maneira. Negamos também o mesmo deus de maneiras diversas. Uso o exemplo da religião para marcar com evidencia que não somos iguais por natureza ou por cultura e que somos determinados pelos meios de produção e a força política aliada ao poder econômico, no Brasil quase coincidentes em sua totalidade. Se nem a religião nos une a ponto de evitar guerras, desperdícios humanos, poluição do ar, rios e mares, devastação florestal, menos ainda os demais artifícios culturais como a educação, a cultura, etc.

Somos todos especialistas em alguma coisa, e a cada dia surgem novas profissões ou subespecialidades para dar conta dos estragos da organização social egoísta e movida prioritariamente pelo acúmulo e (in)diferença, acrescidos de uma pitada forte de autoritarismo próprio aos regimes tropicais onde a economia e os poderes politico e religioso andam de mãos dadas desde a fundação quando Colombo e Cabral aportaram por aqui.

A partir do momento em que os novos tecnocratas da educação do governo do PT descobriram que para resolver os problemas de saúde do Brasil será preciso aumentar a quantidade de médicos criando um exército de reserva suficiente para rebaixar salários e explodir com garantias trabalhistas, as instituições responsáveis pela defesa dos interesses dos médicos foram logo taxadas de intransigentes, xenófobas, atrasadas, etc.

De médico, louco e técnico de futebol todo brasileiro tem um pouco. Mas na guerra entre o governo e as instituições de defesa da medicina a população tem se mantido  como se em uma trincheira aguardando a guerra acabar para que seu sofrimento diminua e a vida retorne às preocupações mínimas, como o preço do pão.

Enquanto isso nas universidades também não conseguimos consensos sobre o perfil do egresso que o Brasil precisa, e continuamos divididos em departamentos, eixos, disciplinas, módulos, todos territórios de poder representativos da diversidade humana que nem a religião, nem a educação conseguem integrar ou evitar.  E somente em raros momentos o discurso lúcido vem à tona para superar as posições egoístas de fé em apoio ou contrárias ao governo federal.

Distantes das preocupações mundanas da maioria da população, enredada na insegurança de uma vida sem direitos e sem qualidade, tecnocratas e educadores, precisam admitir que tudo gira em torno do trabalho, e nesse aspecto o CFM e demais entidades defensoras dos direitos da categoria médica têm razão: PLANO DE CARREIRA JÁ, ESTRUTURA E SEGURANÇA NO TRABALHO, REVALIDA SIM, ÉTICA E QUALIDADE NA FORMAÇÃO JÁ.

Não podemos abdicar de nossa posição de educadores políticos, para com autonomia afirmar que a saúde da população não pode ser confundida com quantitativo de médicos, enquanto a desigualdade econômica é dissimulada pelo assistencialismo eleitoral, e a insegurança, o saneamento, o analfabetismo, a indústria da seca, a indústria da droga, e outras formas de egoísmo campeiam.

Cabe finalmente perguntar: estamos formando médicos para criticar o modelo anterior de formação ou para criticar as politicas de governo que direcionam os modelos de formação e o mundo do trabalho e, por conseguinte, suas vidas?

[

segunda-feira, 29 de abril de 2013

SOBRE A INTEGRAÇÃO E O SISTEMA MODULAR

O currículo da FAMED/UFAL foi desenhado e posto em ação em 2006 como sistema modular para avançar sobre o modelo anterior, disciplinar, fragmentado, e com isso favorecer juntamente a outras estratégias, a visada INTEGRAÇÃO curricular. Desde então as dificuldades para planejar em conjunto o cotidiano pedagógico tem se sobreposto aos raros e valorizados momentos integradores. A costura de módulos com dois, três e até sete setores de ensino mais lembra uma colcha de retalhos que um tecido íntegro, contínuo e saudável. O reflexo dessa costura feita de remendos possíveis para o momento inicial da reforma, e que perdura até hoje, se reflete no descontentamento geral, em virtude da convivência forçada de setores que não se integram para planejar as vivências práticas e teóricas, e vivenciar o planejamento da avaliação integrada tornou-se uma tarefa desgastante, sofrida, e sabotada por todos. As raras experiências de integração como a vivida na semiologia atestam a possibilidade e o prazer da convivência saudável na construção do novo na educação médica. Parabéns aos novos docentes, comprometidos e integrados!
A principal lamentação docente, e que encontra eco entre os discentes, ecoa entre as paredes e ouvidos quando nos reunimos em qualquer instância colegiada para refletir sobre o desenvolvimento curricular: a atual forma de avaliação não motiva a aprendizagem discente, bastando estudar para apenas um dos setores de ensino para ser aprovado. Com isso todos se queixam, pois os interesses e identificações discentes para valorizar um determinado setor e negligenciar outro são diversos, atingindo todos os setores de ensino ainda que em momentos diferentes e com a desigualdade natural refletida por variáveis que os docentes não admitem por em questão. Admitir maior compromisso por alguns, o planejamento de uma avaliação com métodos diferenciados que não apenas a prova teórica por outros, incluir o feedback para aprender com os discentes como avaliar melhor por todos, são algumas das variáveis a se considerar para evitarmos retrocesso ao modelo anterior, territorial e autoritário. Sem esquecer que será preciso considerar estudos que identifiquem quais os setores de ensino mais valorizados e os mais negligenciados, pois é possível que tudo não passe de reflexo do mercado que impõe interesses para muito além de nosso idealismo. O mesmo mercado que também nos moldou e impede a construção de desenhos curriculares que se traduzam em redes de relações mais saudáveis e solidárias percebidas e admiradas pelos discentes. Maior motivação para a aprendizagem não há que o respeito e a solidariedade que reconhece as diferenças e apoia o desenvolvimento individual.