domingo, 24 de março de 2013

RECEITA PARA VENDER SAÚDE NAS PRATELEIRAS DO COMÉRCIO NEOLIBERAL


O sucesso na venda de uma mercadoria começa antes da sua comercialização direta nos supermercados da economia neoliberal. Portanto, de inicio, contrate agências de marketing cujo nome esteja associado a signos mesmerizantes como corações intensamente vermelhos e pulsantes, muita prata e dourado nas avenidas, e crianças, pais e avós em harmonia, projetados em imagens conjugadas a jingles e fragmentos de canções populares. Prometa, esta ficção higienizada como futuro, ainda que tudo isso já esteja associado a seus mais perversos concorrentes. Sua imagem, de trabalhador, empresário, ou intelectual, estará protegida no imaginário popular como o infatigável progressista e defensor dos direitos dos humildes e desvalidos.

Agências de marketing não tem ideologia, tem interesses mercadológicos, ao contrário de você. Você não vende mercadorias, você vende satisfação e ilusões.

E nunca esqueça que o concorrente de hoje será o amigo de amanhã que, nas câmaras e assembleias, definirá a tabela de variação de preços, a margem de lucro, e a indicação de membros na cozinha do poder. O que importa é que você tenha mais tempo para divulgar sua imagem doce e eficaz na mídia digital, enquanto as bases, os quadros, os cabos, pouco importando como sejam denominados aqueles que mais parecem mascates, vendem esta ilusão por você nas periferias.

Antecipado o miraculoso produto, higienizado, saneado, perfeito, é hora de compor a equipe da cozinha virtual. Nomeie para chef um economista, ele saberá como poupar gastos excessivos, falar uma linguagem cientifica que convence pelo aturdimento e pelo mesmo motivo de sua eleição, a estultícia do eleitorado, vítima das mesmas sabotagens e armadilhas preparadas para a educação modeladora de consumidores, inclusive ou principalmente, do que você entende por saúde.

Estabeleça princípios ou passos para a receita não azedar: redução de gastos implica em priorizar as tecnologias leves, próprias da atenção primária, e repassar para os representantes do capital privado tudo que for considerado de complexidade terciária e de alto custo. Não se esqueça de repetir estes princípios até que sejam aceitos como a cobertura doce do bolo, solado, por baixo. Afinal, você sabe que não importa o nível de atenção, os gastos são vultosos e se equiparam. Só você sabe que o que realmente importa é a transfusão de sangue financeiro para o capital privado, seus atuais aliados. Os corações pulsam vermelhos, na mesma sintonia, como na propaganda eleitoral.

A receita está iniciando. Agora nomeie os auxiliares do chef, de preferência teóricos, vaidosos, ambiciosos, alguns idealistas, em geral mal remunerados na academia ou nos serviços, sem ou com pouca experiência prática, e técnicos, vaidosos, ambiciosos, e autoritários, misture-os e aguarde que fermente, e borbulhem conflitos. Não se preocupe, você conseguirá atingir um bom resultado: muitas políticas, e ações para serem cumpridas. Quanto mais confusas, descontínuas e fragmentárias, melhor. Enquanto estão ocupados em fazer valer ou cumprir, cada um, o único ingrediente que conhecem, esquecem o principal que você guarda para financiar as receitas nobres, para degustar o caviar e o Moet Chandon com seus novos amigos, os únicos, eficientes e salvadores da incompetência da gestão pública na saúde.

Dê então o segundo passo na receita, desqualifique os gestores da saúde pública, atribuindo-lhes a sua própria incompetência e amoralidade. Não importa, a maioria crê que mesmo que você entregue a gestão administrativa e financeira para grupos privados, eles serão chamados a permanecer no poder. Voce já aprendeu que no mundo unidirecionado pelo capitalismo neoliberal as pessoas se adaptam a qualquer situação, pois não há ideologia. Você nem precisou pedir para que eles afirmassem isso, seus auxiliares compreenderam que para sobreviver no poder seria necessário repetir que a ideologia não existe. Nem mesmo a razão existe mais, o poder da técnica, o produtivismo, o imediatismo, o utilitarismo a torna desnecessária. Alguns idealistas abandonarão o iate que você construiu para se divertir. Tolos, a fila de oportunistas e idealistas é superior aquela do SUS, que você tanto usou para desqualificar em épocas passadas os amigos de hoje.

E haja com sutileza para que a massa fique macia (ou mansa) e não azede, não reaja contra você. Para entregar os hospitais universitários para os gananciosos que estão sempre ao seu redor disputando fatias, faça com que a própria comunidade acadêmica tome a decisão por você. Assim, se mais adiante o plano não der certo, você não comprometerá seus planos de perpetuação no poder e de proteção dos direitos dos amigos de caviar e champanhe. A comunidade universitária está feliz com seu plano de expansão de vagas, ainda que de maneira degradada. Voce criou muitas vagas docentes, criou cotas, e a maioria, jovens ou antigos, que contribuiu para sua eleição, acreditou em você, está paralisada, a meio caminho, entre o ressentimento e a falta de opção partidária-ideológica. Lembre-se, ideologia não mais existe. E deixe que a própria classe média divulgue que os partidos menores, éticos, sua principal base de crescimento pessoal e partidário, são revolucionários, somente pelas armas, e não por projetos reais, democráticos e soberanos de construção do país.

Para que a receita não demore, elimine os processos licitatórios de compras de medicamentos, equipamentos, serviços e produtos, em geral. Denúncias futuras de corrupção servirão para a correção exemplar e divulgação da face ética de sua autoridade. Além do mais, você poderá afirmar que foi a incompetente e subserviente comunidade universitária que decidiu que a gestão financeira dos hospitais universitários fosse entregue à ganância dos grupos privados.

Como dono do restaurante, você é um gênio. Falta agora, contratar quem vai servir as fatias do bolo solado e azedo com saborosa cobertura de chocolate. Voce precisa de maitres, garçons e garçonetes, cumins, toda a equipe que distribui seus produtos, e que não agregue custos. Primeiro, lembre-se que apesar da violência, a população cresce a olhos vistos, você tem um exercito pronto a lhe servir e substituir os ineficientes. Segundo, lembre-se de projetar a sua ineficiência e a de seus atuais amigos, responsáveis pela rapinagem do tesouro público, em todos os níveis hierárquicos criando uma rede de desqualificação do caráter do trabalhador público. Divulgue que são preguiçosos, e de moral duvidosa. Depois, contrate com vínculo precário, sem garantias trabalhistas, você está acima da constituição. O resto é ideologia, não conta.

E conceda franquias da sua cozinha para seus amigos políticos e empresários para a formação dos profissionais que reduzirão os impactos dos efeitos tóxicos das fatias do seu bolo azedo. Más, não se preocupe com a qualidade técnica, pois o povo ainda lhe agradecerá pela fatia e pela presença do médico em sua casa, a cereja do bolo, não importando se esta será ou não mais um agente tóxico em suas vidas.

Crie um exército de reserva de médicos, depois reduza salários, garantias, e use-os para sua promoção na mídia, quando esta denunciar a corrupção e a gestão ineficiente de seus amigos políticos e empresários. Preencha os vazios sanitários, com este exército, sem consultar ou respeitar a opinião das entidades de classe, defensora dos direitos da categoria, e da formação médica com qualidade.

Aproveite o momento de lua de mel das associações de defesa dos interesses médicos e de formação com suas vaidades e disputas internas, com a razão técnica, com o gozo tecnoburocrático, teórico acadêmico, e ponha o produto no mercado, envolto em papel prateado decorado com corações vermelhos.

E não se esqueça de que todo discurso contrário ao seu é ideológico, ultrapassado, portanto não é racional, e não serve para você e o sistema. Nenhuma outra receita serve, pois o que interessa para você é que saúde é ausência de doença, e presença de médicos.

Bom apetite, companheiros!