quinta-feira, 17 de agosto de 2017

NOTA SOBRE ATAQUE À AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA: CRISE NO HUPAA/UFAL E EBSERH

A direção da Faculdade de Medicina, em nome do corpo de docentes que compõe a gestão da unidade acadêmica, identificados com a saúde pública, os ideais democráticos que regem o zelo pela autonomia universitária, e pela defesa da manutenção de um HU público, com gestão democrática, humanizada, vem a público apoiar a reitora Valéria Correia no ato de solicitação de suspensão da exoneração da Profa. Fátima Siliansky, e demais atos por ela emitidos com o fito do restabelecimento imediato da normalidade da gestão do HUPAA.
Reconhecemos que durante a gestão da profa. Fátima Siliansky o ensino e a pesquisa tiveram reconhecimento, e o HUPAA restabeleceu seu papel de mais importante cenário hospitalar na formação médica e em saúde do Estado de Alagoas, o qual foi dimensionado como de menor importância na gestão anterior;
Reconhecemos que a ética no cuidado e nas relações entre as equipes de trabalho foi colocada no centro das reflexões e decisões de toda a equipe da gestão, sem desrespeito ao novo corpo de funcionários celetistas, os quais foram incorporados à gestão, e valorizados nos aspectos individuais e de grupo;
Reconhecemos que essa ética do cuidado se estendeu na relação da gerência de ensino para com os cursos da área da saúde, tentando criar novos espaços e novas formas de gestão do conhecimento, mesmo com a usual redução de recursos imposta pela EBSERH na consideração de menor importância ao ensino;
Reconhecemos que a população usuária dos serviços teve o reconhecimento de seus direitos fundamentais, de ser bem atendida, sem a manipulação dissimulada das cessões individuais de consultas, ou uso da gestão para benefícios eleitorais, como antes acontecia;
Reconhecemos o esforço coletivo da gestão para evitar que os desvios de medicamentos oncológicos continuassem, e para que o serviço de oncologia ampliasse o rol de cuidados clínicos e laboratoriais;
Reconhecemos que a gestão da profa Fátima Siliansky soube evitar também a continuidade do HUPAA em uma instância burocrática alimentadora de empregos familiares, típica do nepotismo com o qual o serviço público sempre foi contaminado;
A gestão ética e responsavel com o cuidado de uma população vulnerável, sem o autoritarismo, e a manipulação da gestão anterior, com a aplicação ética e transparente dos recursos públicos, que enfrenta a pressão para o restabelecimento de grupos locais de interesse para o uso da máquina pública para benefícios próprios, eleitorais, não pode e não deve ser desrespeitada.
Qualquer ato de desrespeito à gestão do HUPAA, na pessoa da profa. Fátima Siliansky e de sua equipe de gestão, será considerado um ato de desrespeito à autonomia universitária, ampliado a todos os membros da comunidade da UFAL, e da sociedade que a mantém. O desrespeito à gestão da UFAL, eleita, democrática, socialmente referenciada, deve ser considerado um ataque à dignidade humana, e por isso deve ser denunciada e repudiada.



terça-feira, 6 de junho de 2017

DISCURSO NA COLAÇÃO DE GRAU DA TURMA 2017.1

Esse momento, hoje, tem um significado especial, para vocês e seus familiares, para nós, educadores, para a medicina, e para a sociedade. Juntos, compomos parte da humanidade, e quando nos referimos à humanidade abraçamos séculos de história, de movimento civilizatório, de composição do que somos hoje, e da medicina que exercemos. Somos a consequência e os efeitos de um trabalho civilizatório que nos antecede. Portanto, temos uma história individual, uma história comunitária, e uma que nos antecede e ultrapassa, civilizatória, de toda a humanidade. E com a história temos uma responsabilidade como categoria para com toda a sociedade e para com a humanidade.
Como comunidade, somos um dos fios que dão forma ao tecido da humanidade. Maceió, Alagoas, nordeste, Brasil, América Latina, continente americano, seguimos compondo um tecido, diverso, plural, com todas as cores, todas as vozes, todos os anseios, todas as injustiças, todas as religiões, ideologias, egoísmos, fronteiras, casuísmos, expressos como medos e constrangimentos ou orgulhosas fortalezas, plenas de dignidade, como desafio e necessidade de superação ou de festa, em que agradecemos ou celebramos a vida. Quando celebramos, em comunhão, mantemos aceso o mito, recontamos uma história com a linguagem de nossa época, damos continuidade à tessitura de uma trajetória civilizatória que tem a idade cultural da humanidade.
Uma cultura médica ocidental com seu início contado e recontado há mais de dois mil anos, e da qual agora vocês também são autorizados a recriar, aperfeiçoando-se permanentemente, visando a prática ética com as competências necessárias para o reconhecimento profissional, individual, e da categoria, considerada a mais confiável pela sociedade.
Temos, no presente, motivos suficientes para celebrar o desenvolvimento da medicina: o prolongamento da vida, com mais qualidade; o diagnóstico, o controle e a cura de muitas enfermidades; os cuidados paliativos; a humanização do cuidado; a estratégia em saúde da família. Conquistas sociais, desenvolvimentos éticos, mesmo que locais, na gestão da saúde coletiva, são bens sociais, e portanto bens de toda a humanidade. No entanto, para cada uma dessas situações, os desafios se impõem para que todas as conquistas sejam consideradas bens de toda a humanidade, e possam ser usufruídas por todos, sem distinção, como direito inalienável. A saúde não pode ser manipulada como mercadoria, ou estratégia politica a serviço do egoísmo de grupos obcecados por poder. Desse modo, corremos o risco da perda do sentido da vida.
Doenças emergentes, resultantes de nosso comportamento egoísta e irresponsável como espécie, embriagada pelo poder do prolongamento da força, da juventude, e do tempo de vida, conferidos pelo desenvolvimento científico, e tecnológico, paradoxalmente, tem mutilado ou ceifado vidas precocemente. Doenças antes controladas, tem ressurgido, como a tuberculose, a febre amarela, e a sífilis. No entanto, em tempos de financeirização de todos os aspectos da vida, as enfermidades mais comprometedoras da ação para a vida em comunidade são o egoísmo crescente e seu contraponto imediato, a depressão, epidêmicos, transformados em estilos de vida medicalizada para permitir a tolerância, e o mínimo convívio social possível, e a precarização de uma força de trabalho substituível a qualquer momento.
A medicina chora e sangra, perplexa com a quantidade de médicos com depressão, e distúrbios do comportamento. Dentre tantos desafios no presente, esse é um dos mais importantes para a medicina, em todo o mundo: reconstituir as feridas da própria categoria porque são também feridas sociais.
Os desafios no presente, impõem nunca descuidar de si. A vida saudável só é possível em relação, em que cuidamos uns dos outros, na escola, na família, no trabalho, em qualquer ambiente. Não estaríamos aqui para dar continuidade à história da civilização, e a essa fração de humanidade, a medicina, se aqueles que nos antecederam não tivessem enfrentado seus impulsos egoístas, e superado todas as forças contrárias à paz, à fraternidade, à comunhão, à partilha, à igualdade, a tudo isso que compõe o que chamamos de amor.
O amor tem muitos nomes: paixão, empatia, compaixão, solidariedade, fraternidade, ética. A medicina pode ser um dos nomes do amor, encarnado em cada um de vocês, com a expressão que a cultura e o desenvolvimento pessoal nos campos técnico e espiritual permitir. Podemos expressar esse amor, transformando-o em disponibilidade para o cuidado ético, responsável, fazendo-o vibrar com intensidade crescente, ampliando nossos conhecimentos e habilidades, técnicas e relacionais.
Nos últimos seis anos, foi a universidade o ambiente onde esses aspectos técnicos e relacionais foram estimulados e desenvolvidos. Esse lugar estranho e familiar onde tantas memórias boas foram construídas, em relação, de apoio mútuo, tendo como alicerce a amizade e o respeito, fontes inesgotáveis de vida futura plena de humanidade.
A disponibilidade para o amor tem muitas formas: para a medicina, pode ser aquele momento prolongado da companhia paciente e respeitosa pelo momento exato do nascimento, ou da morte; a escolha adequada da situação e das palavras para anunciar diagnósticos e prognósticos desfavoráveis, e também para celebrar as vitórias com os pacientes. Pode ser simplesmente, o cultivo do silêncio para aprender a ouvir.
A disponibilidade para o amor pode ser cultivada durante toda a vida nos mais simples gestos cotidianos de respeito, de atenção, e de compreensão do sofrimento de pessoas desconhecidas que cuidamos como se fossem familiares. Pode ser uma mentira piedosa contada a uma criança com câncer. Ou uma metáfora da verdade oculta nessa mentira, narrada como um conto de fadas, para dar sentido e paz espiritual a alguém em sofrimento insuportável.
Com o progresso tecnológico temos que progredir também com a ética e reavaliar os valores e condutas. Por isso, o amor não pode mais receber o nome de paternalismo, de obstinação terapêutica, de exposição egocêntrica dos atos de caridade nas redes sociais, de modismos estéticos sem critérios éticos, de lealdade corporativa acima dos interesses da sociedade.
A disponibilidade para o amor está presente, hoje, como amizade, quando nos reunimos para celebrar entre familiares e amigos, a renovação da medicina, a expectativa de ampliação futura de cuidados, e alívio de sofrimentos.
A juventude não costuma esperar. Nossa sociedade é imediatista, apressada. No entanto, a prática médica humanizada, o aprendizado da disponibilidade para o amor, exige a espera. O amor, com todos os seus nomes e formas espera pacientemente que o jovem o encontre: na dedicação ao aperfeiçoamento pessoal técnico e ético para a prática com a técnica e a palavra cuidadosa para evitar mais sofrimento; na compreensão dos limites da vida; na pesquisa ética para proporcionar mais qualidade de vida para todos; no posicionamento politico para defender a alocação de recursos públicos escassos em defesa dos mais vulnerados, e ambientes de trabalho saudáveis; na defesa do trabalho cooperativo, solidário, e no respeito a todos os profissionais nas equipes de saúde; no autocuidado e no cuidado de suas relações familiares e de amizade.
Tenham uma vida boa e saudável. Curem, reabilitem, previnam, mas também promovam saúde. Para isso é preciso que amem, confiem, criem, apoiem-se, criem laços, julguem menos e compreendam mais, viajem muito, dancem e celebrem cada conquista, sejam sinceros com as crianças e os adolescentes, acolham os mais vulnerados, e surpreendam a mediocridade, a hipocrisia, e sua face de ódio que contamina o mundo, desenvolvendo a capacidade ética do discernimento de valores apropriados para a democracia e a paz.

Mantenham acesa a chama do desejo aspirando à boa prática. Inspirem-se nas boas práticas dos profissionais que equilibram evidência e experiência pessoal, técnica e intuição, como um artista da saúde. E inspirem as futuras gerações.  

DISCURSO DA APOSIÇÃO DA PLACA DA TURMA 2017.1


Caros formandos e familiares, amigos, professores,
Esse momento, de aposição da placa da turma 2017.1, na faculdade de medicina, desperta muitas emoções, em função dos múltiplos significados que revela. A placa deixa para nós a lembrança perenizada da primeira e talvez mais importante conquista de vossas juventudes, de fragmentos das trajetórias sentimentais individuais e coletiva, pelos corredores, salas de aulas, ambulatórios, enfermarias, e laboratórios, e hospitais, de nossas memórias. Dos ambientes, em que ensinando e aprendendo, fomos mutuamente, nos apoiando, incentivando, erguendo, dando limites, corrigindo, despertando e renovando desejos, vocações, maturidade, para o desempenho autônomo e solidário da medicina. A placa de granito sempre movimentará em nossas mentes, ricas e vívidas memórias afetivas, de vocês, e de todos que em relação direta com vocês compuseram diariamente nossa própria história institucional.
Nesse enigmático ambiente, estranho e familiar lugar de tantas e importantes memórias afetivas, a universidade, vamos continuamente amadurecendo a personalidade e as habilidades profissionais, organizando limites éticos à natureza quase indomável da juventude ou ampliando os limites da autoconfiança aos inibidos pelo rigor da educação familiar. Nesse momento, em vossas mentes, os conflitos da juventude já estão em processo de transformação nas mais importantes lembranças afetivas para o futuro. Assim deve ser para que tenha o significado da maturidade emocional, e não apenas o da maturidade biológica. E em nossas mentes, de docentes, enquanto convivemos com os jóvens, damos continuidade à reparação de nossas próprias juventudes. No entanto, o medo que temos da autonomia, deve ser superado pelo compromisso com a amizade, a responsabilidade, a empatia, a solidariedade, sentimentos e atitudes que conferem dignidade à nossa vida profissional e afetiva.
Por isso, reunimos em um só dia tantos agradecimentos, com tantos significados. Por que sabemos que somos o resultado de um empenho planejado, conjugado, de afetos, conhecimentos, disponibilidades, reconhecimentos, e habilidades de múltiplos profissionais, para que ao final possamos dizer: conseguimos, consegui, obrigado.
Esse é o dia mais importante para a medicina, o dia sagrado dos agradecimentos. Dia de agradecer o ensinamento da humildade, da admissão dos nossos limites, na figura do cadáver, símbolo da anatomia, da medicina como arte, como violação necessária, enriquecedora da humanidade; dia de reverenciar o cuidado, na figura da instituição hospitalar, simbólica do esforço humanitário para aliviar as piores dores do corpo vivo, e da mente, em sofrimento; dia de reverenciar o conhecimento e agradecer à comunidade acadêmica, símbolo do desejo da imortalidade, representados pela autonomia conjugada à responsabilidade social, pela partilha, pela comunhão do mais sagrado dos bens da civilização, o saber.
Finalmente, o último dos significados: dia de retribuição, do agradecimento, a vocês, e seus familiares, pela construção dessas possibilidades mútuas de reparação, de maturação, de encontro com o que há de mais humano em nós: compreender, e buscar, incessantemente, meios para o alivio do sofrimento.
Essa placa representa, portanto, nossa história, a de vocês, a minha, a de muitos ausentes, a de todos os presentes. Essa é uma pedra feita de histórias e saudades.