Encontramo-nos hoje, aqui, para cumprimento do ritual que vos
conferirá o grau de bacharel em medicina permitindo-vos o exercício
ético-profissional da arte e da ciência de curar, rehabilitar e prevenir
doenças, e promover a saúde individual e comunitária. Cuidamos de
vocês, ensinando e educando com os recursos físicos e humanos que nos foi
possível para que a partir de agora, a nobre missão de cuidar e compreender, de
apoiar e ajudar o semelhante, sem distinção econômica, de raça, idade, origem,
ou gênero, seja também partilhada com e por vocês. Vocês desejaram, competiram
neste mundo desigual e, após uma multiplicidade de estágios e avaliações, como
jamais vivenciado antes no curso médico, conseguiram superar os desafios, e
hoje estão aqui vitoriosos.
No entanto, para que a vitória seja duradoura e permanente
será preciso: cuidar da atualização permanente, da troca de experiências;
atentar para a ação politica, zelando pela ética profissional, individual e
corporativa, nos sindicatos e conselhos de classe, e demais entidades em que se
fizerem representados e representantes; cuidar dos outros como cuidaria de si e
de seus familiares; e cuidar de si como cuidará dos outros.
Respeito, ética, honestidade, solidariedade, ousadia, e
também uma certa dose de desapego, em equilíbrio com a ambição, característica
humana, natural e estimulada no mundo capitalizado, reduzirão a frustração, a
ansiedade, e trarão satisfação pessoal suficiente para compor um roteiro de
vida exemplar para a comunidade em que elegerem viver, e prepararão um mundo
mais receptivo e acolhedor para seus futuros filhos.
Parece que não encontramos satisfação, hoje, sem o glamour e
o artificio associado às imagens e prazeres transitórios, fugidios. Más não
encontraremos satisfação maior e duradoura se não conferirmos glamour às
relações de amizade e companheirismo, em todos os ambientes de convívio, e se
não nos fizermos reconhecer pelo que nos é mais característico como profissionais
médicos: a qualidade do cuidado, a solidariedade, a empatia, a responsabilidade
com a vida.
A felicidade e a honestidade tem algo em comum, algo de
precário na condição humana que as torna instáveis, alternantes, temporais,
fugazes, necessitando disciplina para alcança-las, um esforço ético para
espelhá-las, e então gozar do prazer do reconhecimento em si, e pelos outros. É
bom no sentido ético humano, e é saudável conviver com pessoas honradas e
felizes. O contrário, promove conflitos e adoecimento.
Cuidar dos outros, pode ser, portanto, uma estratégia, um
caminho, para desenvolver potencialidades latentes, que os eleve na condição
humana, para bem cuidar de si. Para isso, é preciso aprender a escutar e
compreender a dor do outro em sua condição humana, para além do sintoma
imediato e da doença, e aprender a lidar com o que dizem de vocês. O que dizem de
nós é real, naquilo que sintoniza com nossa auto-imagem positiva, e também no
que destoa. O que interessa, é o que podemos e devemos fazer com isso.
Em questão, portanto, o desejo. Faço, digo, quero, nego,
afirmo, disfarço, sorrio, choro, acolho, abandono; em tudo que pensamos,
fazemos, ou deixamos de fazer, encontramos o desejo, a afirmação da
individualidade e do grau de autonomia e maturidade de cada um em equilibrar o
que queremos com o que podemos ou devemos.
O equilíbrio entre estes três verbos funda a ética, segundo o filosofo
Mario Sergio Cortela. Nem tudo que eu quero, posso, nem tudo que posso, devo,
nem tudo que devo, quero.
As instituições delegadas para o aprimoramento ético por meio
da educação, e do zelo pelo cumprimento das regras profissionais, cumprem seu
papel com eficácia quando em sistemas democráticos, plenos de direitos e garantias
individuais.
Atualmente, assistimos e resistimos à intervenção no
exercício profissional medico pelo governo, que age à revelia dos conselhos e
entidades representativas da educação médica, nacionais e internacionais, como
a conceituada SBPC e o Foro Iberoamericano de entidades médicas, com medidas
precárias e autoritárias para resolver graves e seculares problemas de saúde
pública, dependentes da indiferença das elites econômicas para com a maioria
pobre, e da atividade predatória e impune sobre o erário.
A principal medida autoritária, já derrotada pela resistência
cívica da categoria medica em todo o país, incluindo os educadores médicos, de estender
o curso medico por mais dois anos e obrigar os recém-formados a trabalhar em
condições estruturais precárias atenta contra a liberdade individual de escolha
sobre os próprios caminhos, atinge o desejo, a ética da vida.
O governo deve sim regular o mercado para atrair
profissionais distintos para áreas remotas, mas com condições dignas de
trabalho, com plano de carreira e salário digno; com o reconhecimento das
diferenças regionais sócio-economicas e epidemiológicas; com o respeito à
soberania de um país que se desenvolve apesar da alternâncias dos grupos
predatórios no planalto e nos estados e municípios; com o dialogo com as
entidades representativas da educação médica para que a população não seja
enganada com o preenchimento de vazios sanitários apenas com médicos, quando a
solução dos problemas de saúde reclamam 10% do PIB já para a saúde publica,
equipes multidisciplinares, estrutura física e rede de referencia e
contra-referencia bem estabelecidas. Mas fundamentalmente precisamos com
urgência de seriedade e coerência aos princípios que conduziram o PT ao poder
para que possamos nos distanciar cada vez mais dos regimes autoritários.
As politicas para a saúde e para a formação medica tem sido
descontinuas, quando parecem dar continuidade –
redução dos PETS e dos incentivos aos preceptores -; fragmentárias,
quando parecem oferecer um eixo
norteador – ações para os médicos dissociadas das demais categorias -;
reducionistas quando parecem ampliadas – não consideram o SUS em toda a sua
complexidade -; privatizantes, quando aparentam atender ao público – 60% das
escolas médicas são privadas, e o investimento é crescente em hospitais
privados como o Sirio Libanês -.
No entanto, com este caos aparente o governo cria a ilusão de
uma politica de Estado, sendo na verdade apenas medidas momentâneas,
contraditórias, insuficientes para o real enfrentamento da situação de
sucateamento da rede pública de saúde, a politica atual servindo somente para
tamponar com eficácia reduzida os efeitos nocivos da anterior.
Como exemplo para reflexão temos no Brasil mais escolas de
direito que em todo o mundo reunido, e nem por isso temos justiça social com o
devido amparo aos mais vulneráveis por sua condição econômica.
Podemos perceber que o poder quando exercido com
autoritarismo para maquiar a incompetência ou a subserviência aos predadores nacionais
e internacionais da economia atinge a liberdade individual, e a ética do
desejo.
Em todos os discursos anteriores, desde o inicio da minha
gestão na direção da FAMED/UFAL, tenho afirmado a necessidade da sindicalização
e da afirmação do próprio desejo na escolha do futuro individual, a despeito de
uma reforma curricular que enfatizou para vocês a necessidade de envolvimento
com a atenção primária à saúde.
Reafirmo hoje a primazia do desejo de cada um sobre as
politicas maniqueístas para obriga-los ao exercício profissional na
insegurança, e atender à vontade de reprodução de um exercício de poder
perverso que não muda profundamente a estrutura de desigualdade social e
econômica, e busca apenas a financeirização da vida.
Desejo que vocês desejem e cumpram seus desejos, que aprendam
que o sucesso profissional depende do equilíbrio de nossos desejos mais
egoístas com o bem da coletividade.
E desejo que sejam felizes com as melhores escolhas que
fizerem, porque vocês merecem.
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