quinta-feira, 7 de novembro de 2013

O CONGRESSO DA ABEM E A PRISÃO DO MÉDICO PARANAENSE



A expectativa sobre o último COBEM – Congresso Brasileiro de Educação Médica – resultou em frustração e tomada de consciência pela maioria participante. Frustração por muitos motivos: a desorganização do congresso sediado em um centro de convenções necessitando reformas urgentes para eliminar o bolor e a sujeira acumulada ao redor; a apresentação de mais de cem pôsteres simultâneos a cada dia, gerando uma balbúrdia própria ao carnaval ou aos mercados e feiras populares como a do passarinho em Maceió, o que me fez desistir de apresentar importante reflexão sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais e gozar com o canto e a arte de Geraldo Maia, um passarinho mais agradável de ver e ouvir; a presença ostensiva e privilegiada de espaços físicos para empresas hospitalares de grande porte e alta complexidade financiadas com o dinheiro público, como o IMIP de Pernambuco e Hospital Sírio-Libanês de São Paulo; stand do programa Mais Médicos, em momento de conflito entre as entidades representativas dos médicos e o governo federal; em meio à desorganização, o uso de mecanismos de controle e vigilância sobre os participantes com funcionários uniformizados com máquinas de leitura digital para controle de frequência; a percepção de que os representantes do Ministério da Saúde detinham o controle sobre a programação do evento e ostensivamente pressionavam a direção da ABEM com falas que poderiam ser lidas como chantagem; falta de apoio aos discentes, que pela primeira vez em muitos eventos da ABEM não puderam dispor de alojamento, transporte e alimentação, dando a impressão de que era importante para a entidade desmobilizar a categoria discente e reduzir o contingente no evento em momento de conflito; discursos “educados”, ou domados, dos representantes das entidades ABEM e DENEM, enquanto os representantes do MS atacavam abertamente a categoria médica; presença de lideranças oriundas da DENEM hoje ocupando cargos ministeriais com discursos autoritários e manipuladores próprios a regimes fascistas.
A luz no fim do túnel pode ser vislumbrada quando os representantes do MS foram vaiados, e no fim do congresso os discentes articularam uma reação à presença das empresas hospitalares. Para Marx o aprofundamento da crise do capital permite reações que desalienam os oprimidos e põe em ação respostas organizadas e mais maduras dos movimentos sociais.
No entanto, a luz ainda está muito distante. A crise não é apenas política, ela é primordialmente ética. A ambivalência e os silenciamentos dos discursos da ABEM e da DENEM, e de alguns participantes do congresso, um certo arrefecimento das demais entidades representativas de médicos, e a ostensiva implantação do programa Mais Médicos, permitiu esta semana mais um lance de espetacularização midiática para a desqualificação da categoria médica, sendo apresentada em rede nacional a prisão em flagrante de um médico paranaense após operação policial de vigilância contínua por dias para verificação do ilícito. O coitado foi usado como o bode expiatório da vez para mostrar a força do aparelho do estado sobre a categoria escolhida como inimiga para se fortalecer diante de uma população desassistida hoje, principalmente de valores morais e éticos. Cumpre-se a promessa do representante da SGETES, feita na mesma Recife, este ano, no congresso da SBPC, de “descer o braço pesado do Estado sobre a categoria médica”. Nada diferente dos discursos de alguns colegas sanitaristas presentes ao COBEM que falavam que era melhor um copo meio cheio que vazio em apologia ao programa do governo. Tanta chantagem, ameaças, espionagem, e posições e discursos neutros, técnico-educacionais, complementam-se ampliando resistências e apassivamento de boa parte da comunidade docente e discente, em contraposição ao propalado nas DCNs de uma formação crítico-reflexiva. Além disso, fere-se um dos princípios fundamentais da ética de que os fins justificam os meios, e não o contrário.
Quanto à luz no fim do túnel, que os cientistas possam encontrar no túmulo do filósofo  Diógenes o cínico, células para sua clonagem e a lanterna para que ele redivivo possa continuar sua procura por “um homem” (honesto?) nesse país.

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Crônicas de uma Educação Médica: O CONGRESSO DA AMEE E A EDUCAÇÃO MÉDICA NO BRASIL

Crônicas de uma Educação Médica: O CONGRESSO DA AMEE E A EDUCAÇÃO MÉDICA NO BRASIL: A Associação das Escolas Médicas da Europa promove anualmente um congresso que atrai médicos e também pedagogos, veterinários, odontólogos,...

O CONGRESSO DA AMEE E A EDUCAÇÃO MÉDICA NO BRASIL

A Associação das Escolas Médicas da Europa promove anualmente um congresso que atrai médicos e também pedagogos, veterinários, odontólogos, nutricionistas, etc, configurando-se como um dos mais importantes eventos na área de educação em saúde. Resolvi participar pela primeira vez após a aprovação de dois resumos de pesquisa para apresentação no formato de pôster comentado. Com ousadia resolvi encarar dois desafios; apresentar os pôsteres em inglês em um congresso internacional, e viajar pela Europa sozinho enfrentando as dificuldades culturais, alimentares, de transporte, etc. Depois de cumprida a missão da apresentação dos pôsteres, com forte sotaque acentuado pelo nervosismo, pude observar atentamente a organização do congresso e tirar algumas conclusões pessoais: o congresso é na verdade uma grande feira para venda de produtos para o ensino virtual, e de cursos, métodos de avaliação institucional ou de estudantes, consórcios, e plataformas virtuais para acesso a periódicos e livros como o famoso UPTODATE. Como todo congresso permite a aproximação de interesses, troca de experiências pelos corredores, divulgação de instituições e currículos, acesso a informações para pós-graduação. Más, tudo é oferecido com preço geralmente elevado, iniciando pelo valor pago em libras esterlinas para a inscrição no evento, que permite o acesso a poucas atividades, posto que muitas delas ocorrem simultaneamente e em apenas dois dias. As estrelas da educação médica concorrem por um premio outorgado pela academia sueca, a mesma que atribui o premio Nobel. Os discursos são alinhados com os do Brasil, as preocupações são as mesmas: humanização da formação (de forte teor mecanicista); ênfase na atenção primária; eficácia dos métodos de avaliação do estudante; virtualização crescente dos métodos de ensino e avaliação. Nada diferente do Brasil, de fato, exceto pela intensa comercialização de todos os produtos, artefatos, e métodos, e glorificação dos currículos e instituições, coerentes com a mesma lógica combatida na formação orientada para as especialidades médicas. E também o fato de que experimentamos e ousamos em áreas distintas, em que muitos deles não têm experiência ou interesse, más que nos trazem soluções. Em meio ao burburinho, é possível identificar colegas do Brasil, em geral comprometidos com a educação médica, participando ativamente do que lhes é possível, inclusive da mal disfarçada ou assumida competição por postos chaves por aqui, identificada por uma postura ansiosa e comentários maldosos, com nome e endereço. Não fazer parte destes grupelhos me permitiu observar e ouvir sem perturbar o equilíbrio desta categoria de desequilíbrio. Nada diferente também do comportamento competitivo dos satanizados especialistas. Nada mais humano também, desde que os grupos conscientizem-se dessa competição velada. Nessa miscelânea de corporativismos e financeirização da educação médica, organizada pelos países de economia mais forte que a nossa, a lição que devemos considerar é a da distinção cultural, histórica e econômica, para que não fiquemos parecidos com macacos de circo que mimetizam gestos humanos e depois aplaudem a si mesmos sem entender exatamente por que. Resta-nos ainda o consolo de uma viagem ampliada de férias para apreciar na cultura e no comportamento o que os distingue de nós. 

domingo, 2 de junho de 2013

EDUCAR PARA PENSAR OU PARA ADAPTAR?


O que aproxima os grupos humanos aproxima também os acadêmicos? E quando os acadêmicos são médicos como aproximá-los para que cumpram a própria missão institucional? Em tempos de globalização todas as fronteiras culturais tem sido postas à prova sem excluir dessas misturas as religiões que se recriam em locais e culturas diferentes das originais. O que não se deve esquecer em nenhum momento é que as mudanças não são tão espontâneas assim, resultando muito mais de políticas traçadas pelo poder econômico dominante do qual as religiões nunca deixaram de ser um braço forte de apoio.

Não somos iguais a ponto de adorarmos o mesmo deus da mesma maneira. Negamos também o mesmo deus de maneiras diversas. Uso o exemplo da religião para marcar com evidencia que não somos iguais por natureza ou por cultura e que somos determinados pelos meios de produção e a força política aliada ao poder econômico, no Brasil quase coincidentes em sua totalidade. Se nem a religião nos une a ponto de evitar guerras, desperdícios humanos, poluição do ar, rios e mares, devastação florestal, menos ainda os demais artifícios culturais como a educação, a cultura, etc.

Somos todos especialistas em alguma coisa, e a cada dia surgem novas profissões ou subespecialidades para dar conta dos estragos da organização social egoísta e movida prioritariamente pelo acúmulo e (in)diferença, acrescidos de uma pitada forte de autoritarismo próprio aos regimes tropicais onde a economia e os poderes politico e religioso andam de mãos dadas desde a fundação quando Colombo e Cabral aportaram por aqui.

A partir do momento em que os novos tecnocratas da educação do governo do PT descobriram que para resolver os problemas de saúde do Brasil será preciso aumentar a quantidade de médicos criando um exército de reserva suficiente para rebaixar salários e explodir com garantias trabalhistas, as instituições responsáveis pela defesa dos interesses dos médicos foram logo taxadas de intransigentes, xenófobas, atrasadas, etc.

De médico, louco e técnico de futebol todo brasileiro tem um pouco. Mas na guerra entre o governo e as instituições de defesa da medicina a população tem se mantido  como se em uma trincheira aguardando a guerra acabar para que seu sofrimento diminua e a vida retorne às preocupações mínimas, como o preço do pão.

Enquanto isso nas universidades também não conseguimos consensos sobre o perfil do egresso que o Brasil precisa, e continuamos divididos em departamentos, eixos, disciplinas, módulos, todos territórios de poder representativos da diversidade humana que nem a religião, nem a educação conseguem integrar ou evitar.  E somente em raros momentos o discurso lúcido vem à tona para superar as posições egoístas de fé em apoio ou contrárias ao governo federal.

Distantes das preocupações mundanas da maioria da população, enredada na insegurança de uma vida sem direitos e sem qualidade, tecnocratas e educadores, precisam admitir que tudo gira em torno do trabalho, e nesse aspecto o CFM e demais entidades defensoras dos direitos da categoria médica têm razão: PLANO DE CARREIRA JÁ, ESTRUTURA E SEGURANÇA NO TRABALHO, REVALIDA SIM, ÉTICA E QUALIDADE NA FORMAÇÃO JÁ.

Não podemos abdicar de nossa posição de educadores políticos, para com autonomia afirmar que a saúde da população não pode ser confundida com quantitativo de médicos, enquanto a desigualdade econômica é dissimulada pelo assistencialismo eleitoral, e a insegurança, o saneamento, o analfabetismo, a indústria da seca, a indústria da droga, e outras formas de egoísmo campeiam.

Cabe finalmente perguntar: estamos formando médicos para criticar o modelo anterior de formação ou para criticar as politicas de governo que direcionam os modelos de formação e o mundo do trabalho e, por conseguinte, suas vidas?

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segunda-feira, 29 de abril de 2013

SOBRE A INTEGRAÇÃO E O SISTEMA MODULAR

O currículo da FAMED/UFAL foi desenhado e posto em ação em 2006 como sistema modular para avançar sobre o modelo anterior, disciplinar, fragmentado, e com isso favorecer juntamente a outras estratégias, a visada INTEGRAÇÃO curricular. Desde então as dificuldades para planejar em conjunto o cotidiano pedagógico tem se sobreposto aos raros e valorizados momentos integradores. A costura de módulos com dois, três e até sete setores de ensino mais lembra uma colcha de retalhos que um tecido íntegro, contínuo e saudável. O reflexo dessa costura feita de remendos possíveis para o momento inicial da reforma, e que perdura até hoje, se reflete no descontentamento geral, em virtude da convivência forçada de setores que não se integram para planejar as vivências práticas e teóricas, e vivenciar o planejamento da avaliação integrada tornou-se uma tarefa desgastante, sofrida, e sabotada por todos. As raras experiências de integração como a vivida na semiologia atestam a possibilidade e o prazer da convivência saudável na construção do novo na educação médica. Parabéns aos novos docentes, comprometidos e integrados!
A principal lamentação docente, e que encontra eco entre os discentes, ecoa entre as paredes e ouvidos quando nos reunimos em qualquer instância colegiada para refletir sobre o desenvolvimento curricular: a atual forma de avaliação não motiva a aprendizagem discente, bastando estudar para apenas um dos setores de ensino para ser aprovado. Com isso todos se queixam, pois os interesses e identificações discentes para valorizar um determinado setor e negligenciar outro são diversos, atingindo todos os setores de ensino ainda que em momentos diferentes e com a desigualdade natural refletida por variáveis que os docentes não admitem por em questão. Admitir maior compromisso por alguns, o planejamento de uma avaliação com métodos diferenciados que não apenas a prova teórica por outros, incluir o feedback para aprender com os discentes como avaliar melhor por todos, são algumas das variáveis a se considerar para evitarmos retrocesso ao modelo anterior, territorial e autoritário. Sem esquecer que será preciso considerar estudos que identifiquem quais os setores de ensino mais valorizados e os mais negligenciados, pois é possível que tudo não passe de reflexo do mercado que impõe interesses para muito além de nosso idealismo. O mesmo mercado que também nos moldou e impede a construção de desenhos curriculares que se traduzam em redes de relações mais saudáveis e solidárias percebidas e admiradas pelos discentes. Maior motivação para a aprendizagem não há que o respeito e a solidariedade que reconhece as diferenças e apoia o desenvolvimento individual.

domingo, 24 de março de 2013

RECEITA PARA VENDER SAÚDE NAS PRATELEIRAS DO COMÉRCIO NEOLIBERAL


O sucesso na venda de uma mercadoria começa antes da sua comercialização direta nos supermercados da economia neoliberal. Portanto, de inicio, contrate agências de marketing cujo nome esteja associado a signos mesmerizantes como corações intensamente vermelhos e pulsantes, muita prata e dourado nas avenidas, e crianças, pais e avós em harmonia, projetados em imagens conjugadas a jingles e fragmentos de canções populares. Prometa, esta ficção higienizada como futuro, ainda que tudo isso já esteja associado a seus mais perversos concorrentes. Sua imagem, de trabalhador, empresário, ou intelectual, estará protegida no imaginário popular como o infatigável progressista e defensor dos direitos dos humildes e desvalidos.

Agências de marketing não tem ideologia, tem interesses mercadológicos, ao contrário de você. Você não vende mercadorias, você vende satisfação e ilusões.

E nunca esqueça que o concorrente de hoje será o amigo de amanhã que, nas câmaras e assembleias, definirá a tabela de variação de preços, a margem de lucro, e a indicação de membros na cozinha do poder. O que importa é que você tenha mais tempo para divulgar sua imagem doce e eficaz na mídia digital, enquanto as bases, os quadros, os cabos, pouco importando como sejam denominados aqueles que mais parecem mascates, vendem esta ilusão por você nas periferias.

Antecipado o miraculoso produto, higienizado, saneado, perfeito, é hora de compor a equipe da cozinha virtual. Nomeie para chef um economista, ele saberá como poupar gastos excessivos, falar uma linguagem cientifica que convence pelo aturdimento e pelo mesmo motivo de sua eleição, a estultícia do eleitorado, vítima das mesmas sabotagens e armadilhas preparadas para a educação modeladora de consumidores, inclusive ou principalmente, do que você entende por saúde.

Estabeleça princípios ou passos para a receita não azedar: redução de gastos implica em priorizar as tecnologias leves, próprias da atenção primária, e repassar para os representantes do capital privado tudo que for considerado de complexidade terciária e de alto custo. Não se esqueça de repetir estes princípios até que sejam aceitos como a cobertura doce do bolo, solado, por baixo. Afinal, você sabe que não importa o nível de atenção, os gastos são vultosos e se equiparam. Só você sabe que o que realmente importa é a transfusão de sangue financeiro para o capital privado, seus atuais aliados. Os corações pulsam vermelhos, na mesma sintonia, como na propaganda eleitoral.

A receita está iniciando. Agora nomeie os auxiliares do chef, de preferência teóricos, vaidosos, ambiciosos, alguns idealistas, em geral mal remunerados na academia ou nos serviços, sem ou com pouca experiência prática, e técnicos, vaidosos, ambiciosos, e autoritários, misture-os e aguarde que fermente, e borbulhem conflitos. Não se preocupe, você conseguirá atingir um bom resultado: muitas políticas, e ações para serem cumpridas. Quanto mais confusas, descontínuas e fragmentárias, melhor. Enquanto estão ocupados em fazer valer ou cumprir, cada um, o único ingrediente que conhecem, esquecem o principal que você guarda para financiar as receitas nobres, para degustar o caviar e o Moet Chandon com seus novos amigos, os únicos, eficientes e salvadores da incompetência da gestão pública na saúde.

Dê então o segundo passo na receita, desqualifique os gestores da saúde pública, atribuindo-lhes a sua própria incompetência e amoralidade. Não importa, a maioria crê que mesmo que você entregue a gestão administrativa e financeira para grupos privados, eles serão chamados a permanecer no poder. Voce já aprendeu que no mundo unidirecionado pelo capitalismo neoliberal as pessoas se adaptam a qualquer situação, pois não há ideologia. Você nem precisou pedir para que eles afirmassem isso, seus auxiliares compreenderam que para sobreviver no poder seria necessário repetir que a ideologia não existe. Nem mesmo a razão existe mais, o poder da técnica, o produtivismo, o imediatismo, o utilitarismo a torna desnecessária. Alguns idealistas abandonarão o iate que você construiu para se divertir. Tolos, a fila de oportunistas e idealistas é superior aquela do SUS, que você tanto usou para desqualificar em épocas passadas os amigos de hoje.

E haja com sutileza para que a massa fique macia (ou mansa) e não azede, não reaja contra você. Para entregar os hospitais universitários para os gananciosos que estão sempre ao seu redor disputando fatias, faça com que a própria comunidade acadêmica tome a decisão por você. Assim, se mais adiante o plano não der certo, você não comprometerá seus planos de perpetuação no poder e de proteção dos direitos dos amigos de caviar e champanhe. A comunidade universitária está feliz com seu plano de expansão de vagas, ainda que de maneira degradada. Voce criou muitas vagas docentes, criou cotas, e a maioria, jovens ou antigos, que contribuiu para sua eleição, acreditou em você, está paralisada, a meio caminho, entre o ressentimento e a falta de opção partidária-ideológica. Lembre-se, ideologia não mais existe. E deixe que a própria classe média divulgue que os partidos menores, éticos, sua principal base de crescimento pessoal e partidário, são revolucionários, somente pelas armas, e não por projetos reais, democráticos e soberanos de construção do país.

Para que a receita não demore, elimine os processos licitatórios de compras de medicamentos, equipamentos, serviços e produtos, em geral. Denúncias futuras de corrupção servirão para a correção exemplar e divulgação da face ética de sua autoridade. Além do mais, você poderá afirmar que foi a incompetente e subserviente comunidade universitária que decidiu que a gestão financeira dos hospitais universitários fosse entregue à ganância dos grupos privados.

Como dono do restaurante, você é um gênio. Falta agora, contratar quem vai servir as fatias do bolo solado e azedo com saborosa cobertura de chocolate. Voce precisa de maitres, garçons e garçonetes, cumins, toda a equipe que distribui seus produtos, e que não agregue custos. Primeiro, lembre-se que apesar da violência, a população cresce a olhos vistos, você tem um exercito pronto a lhe servir e substituir os ineficientes. Segundo, lembre-se de projetar a sua ineficiência e a de seus atuais amigos, responsáveis pela rapinagem do tesouro público, em todos os níveis hierárquicos criando uma rede de desqualificação do caráter do trabalhador público. Divulgue que são preguiçosos, e de moral duvidosa. Depois, contrate com vínculo precário, sem garantias trabalhistas, você está acima da constituição. O resto é ideologia, não conta.

E conceda franquias da sua cozinha para seus amigos políticos e empresários para a formação dos profissionais que reduzirão os impactos dos efeitos tóxicos das fatias do seu bolo azedo. Más, não se preocupe com a qualidade técnica, pois o povo ainda lhe agradecerá pela fatia e pela presença do médico em sua casa, a cereja do bolo, não importando se esta será ou não mais um agente tóxico em suas vidas.

Crie um exército de reserva de médicos, depois reduza salários, garantias, e use-os para sua promoção na mídia, quando esta denunciar a corrupção e a gestão ineficiente de seus amigos políticos e empresários. Preencha os vazios sanitários, com este exército, sem consultar ou respeitar a opinião das entidades de classe, defensora dos direitos da categoria, e da formação médica com qualidade.

Aproveite o momento de lua de mel das associações de defesa dos interesses médicos e de formação com suas vaidades e disputas internas, com a razão técnica, com o gozo tecnoburocrático, teórico acadêmico, e ponha o produto no mercado, envolto em papel prateado decorado com corações vermelhos.

E não se esqueça de que todo discurso contrário ao seu é ideológico, ultrapassado, portanto não é racional, e não serve para você e o sistema. Nenhuma outra receita serve, pois o que interessa para você é que saúde é ausência de doença, e presença de médicos.

Bom apetite, companheiros!

 

 

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

CARTA AO FÓRUM DE DIRETORES DE ESCOLAS MÉDICAS FEDERAIS- AINDA SOBRE O ENSINO E A EBSERH

Caros colegas,
Não poderei estar presente a este encontro de consolidação dos princípios fundamentais do Forum de Diretores de Escolas Federais de Medicina por motivos próprios à Unidade Acadêmica a qual administro neste momento. Ao tempo em que parabenizo o grupo pela reunião e desejo bom proveito das horas de trabalho conjunto, gostaria de contribuir mesmo que à distância com o grupo de trabalho sobre a EBSERH nos hospitais universitários com uma análise do processo de implantação, consequências, e propostas para a defesa do ensino nos HUs.
Ressalto: que a portaria que cria a empresa, assinada pela presidente, do 2º ao 17º artigo, fere a constituição federal, e por isso mesmo, existe protocolada no supremo tribunal federal uma ação direta de inconstitucionalidade aguardando parecer inicial do ministro Toffoli; não há tempo definido para julgamento e parecer, dependendo do jogo político de bastidores das forças opostas interessadas na questão;
que embora os salários sejam melhores que para o exercício da docência, o trabalho será precarizado na forma de contratação com vínculo CLT, cuja única garantia é a da instabilidade e de possibilidade de assédio, em função da exigência produtivista e dos onipresentes mecanismos de controle, já denunciada em outras instituições públicas que passaram pelo mesmo processo (correios, BB, etc);
que a desculpa desqualificadora do trabalhador público tem recaído principalmente e exageradamente sobre os gestores dos hospitais universitários, que de maneira estranha tem concordado com esta desqualificação, e mais estranho ainda é que serão convidados a permanecer nos mesmos cargos de direção, agora com mais 17.000,00 reais de bonificação para manter esta atitude esquizoide; se a qualidade do serviço público é questionável em alguns setores, isso se deve à herança da ditadura de favorecimento clientelista de familiares, amigos e cabos eleitorais com admissão sem concurso, prática ainda vigente no país e que retorna agora com esta cara de modernidade na gestão administrativa;
que a qualidade do ensino não será garantida pela empresa e sim pela defesa organizada dos docentes em suas unidades bem como por suas instituições sindicais e outras como o FORDEM.  A ameaça ao ensino nos HUs ficou explícita em Maceió, na fala de dois convidados para defender a EBSERH, a reitora da UFMT e o secretário da ANDIFES, que afirmaram que a formação médica não depende do uso dos Hospitais Universitários, sendo suficiente a formação parcial para a atenção primária na rede SUS;
que a aprovação nos diferentes estados tem ocorrido de forma antidemocrática, truculenta, e interesseira, como ocorreu em Maceió e Natal, e que a desculpa de prazo de 31/12/2012 para a demissão dos funcionários que ocorreria no dia seguinte inviabilizando a assistência à população carente foi uma falácia, o que compromete a confiança nos atuais diretores dos HU que defendiam a empresa (ou seus novos cargos e bonificações) e gestores da empresa e reitores;
que a implantação da empresa tem ocorrido sem consulta aos diretores das unidades acadêmicas da saúde, inclusive da medicina, (ou é uma realidade de Maceió?) de modo sorrateiro.
Portanto, sugiro que a direção do FORDEM junto às demais instituições como a ABEM, Associações de docentes locais, busquem a negociação de:
contratos com a participação direta das unidades acadêmicas da saúde, garantindo a assistência 100% pública e gratuita à população em harmonia com a constituição e os princípios do SUS, e o ensino público sem restrições, a pesquisa vinculada aos interesses universitários;
cargos de chefia de serviços exclusivos aos docentes, garantindo a formação de experiência administrativa, a defesa do ensino e melhora nos vencimentos ( bonificação de 4.000,00 reais);
garantias para as direções das unidades de medicina fazerem parte do conselho gestor ou auditor do HU, se for possível do conselho local da EBSERH
Como última preocupação devemos considerar a criação de princípios de orientação para a eleição de reitores e diretores com perfil mais democrático e comprometidos com a defesa do ensino médico com a qualidade necessária para garantir assistência adequada em todos  os níveis de atenção.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

SOBRE A QUALIDADE DOS EGRESSOS DA REFORMA CURRICULAR


Muito se tem falado ultimamente dos resultados obtidos pelos egressos da ultima turma de formandos da FAMED/UFAL, em especial de alguns alunos que foram aprovados para dar continuidade à formação especializada em centros de excelência de São Paulo, em áreas de estudos consideradas também excepcionais. Todos classificados em primeiro ou segundo lugar para especializar-se em cardiologia, neurologia clinica, neurocirurgia, neuroimagem, oncocirurgia no Hospital Dante Pazanezzi, UNIFESP, USP, SUS-São Paulo, UNICAMP. Outros, com aprovação em áreas como pediatria, ginecologia, clinica médica são apontados também como sucesso, em escolas como a de Ribeirão Preto, IMIP em Recife, Salvador. Semanalmente vamos tomando conhecimento da aprovação da maioria em ambientes universitários ou de serviços vinculados ao SUS, do centro-sul ou do nordeste, geralmente em áreas de especialidades para atenção em saúde de complexidade terciária. Menos de 10% de cada turma opta pela entrada definitiva no trabalho médico assalariado em cidades do interior, adiando a especialização para alguns anos após alguma estabilidade financeira, poucos, jamais cumprirão programas de residência médica, más com chances elevadas de se tornarem prefeitos e ricos cedo.

Até aí nenhuma novidade. Nossos egressos sempre optaram em maioria pela especialização, e quando não conseguiam a aprovação nos centros de formação de excelência, no inicio, perseguiam o sonho em sucessivos testes até prosseguir e finalizar a ultra-especialização nestes centros.

Os primeiros lugares em centros de formação de excelência da turma mais recente de egressos revelam mais que a novidade e o espanto que alguns colegas docentes e discentes esboçam: filhos de médicos, oriundos de linhagens médicas de sucesso, ou de docentes universitários, portanto bem criados, com as oportunidades da educação privada, urbana, aprimorada em todas as etapas da vida, novidade e espanto seria não serem aprovados; a força do mercado de saúde de alta complexidade se impõe ao modelo de formação orientada para a atenção comunitária de complexidade primária e secundária, ainda que esta ofereça, no momento, oportunidades salariais razoáveis, más com estrutura e vínculo precários; a especialização prolongada em subespecializações, e para alguns mestrado e doutorado, os manterá distante não apenas de Alagoas e do Nordeste, más também da atenção comunitária.

Resta-nos o consolo de que estamos oferecendo uma boa educação médica, já revelada no índice máximo obtido no ENADE. Só! E não é pouco, nem muito. É nossa obrigação.

Enquanto isso, estudos sobre o desempenho dos egressos cotistas e daqueles não cotistas de origem menos privilegiada fazem-se necessários.

 

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

MENSAGEM AOS FORMANDOS 2012.2

                 O cumprimento da jornada aconteceu com dedicação e compromisso não apenas com a própria formação, más também com compreensão e contribuição significativa de cada um para com o projeto de mudança e reorientação na formação médica iniciada em 2006. 
                As críticas e as atitudes ousadas foram importantes e necessárias, tanto quanto a recepção à proposta de educar para a comunidade. E creio que com vocês aprendemos que o ato de educar é realizado não somente em mão dupla, más de mãos dadas, com o carinho e o respeito próprio dos amigos, de quem confia e reconhece no outro a abertura para caminhar e crescer juntos.
                Presenciamos e apoiamos nos momentos necessários, como fazem os pais e educadores, o compromisso com o desenvolvimento político e cidadão, com iniciativas próprias de gestão democrática do centro acadêmico, a aproximação com o sindicato dos médicos, a conquista da Diretoria Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina, criação das primeiras ligas acadêmicas, a defesa do Hospital Universitário, o apoio à greve docente, e a defesa inconteste da proposta curricular que alicerça e fundamenta os caminhos da formação médica na UFAL.
              Estas características políticas os ajudarão no desafio permanente imposto pelas elites econômicas e seus representantes políticos de mascarar a dura realidade social com a agressão midiática à categoria e ao patrimônio público do qual o SUS é o mais visado por representar por um lado a memoria viva das lutas da reforma sanitária que são as mesmas da redemocratização e da elaboração da constituição de 1988, e por outro lado uma mina de ouro para o capital financeiro nacional e internacional.  Outros desafios são impostos como a tentativa de preencher vazios sanitários com quantitativo de médicos mal formados em escolas públicas e privadas criadas sem hospital escola, sem docentes qualificados, sem estrutura e qualificação suficiente da rede SUS, ou importados de escolas bolivianas sem a mínima qualificação para o exercício da medicina.
              Muitas lutas vos esperam más poucas turmas demonstraram o preparo político para enfrenta-las com maturidade como vocês têm demonstrado até agora.
               Boas notícias também vos aguardam, como o reconhecimento de novas áreas de atuação como a recém-criada toxicologia humana, a união cada vez mais forte da categoria e suas instituições, o retorno do CFM, Federação Nacional dos Médicos e AMB ao Conselho Nacional de Saúde, e o avanço nas câmaras do senado do projeto de lei que regulamenta o exercício da medicina no país.
              Assim é a vida, desafiadora, limitante, impulsionadora. Assim somos nós, frágeis diante dos desafios quando sozinhos, más invencíveis e imperturbáveis perante a necessidade de justiça, equidade, ética e garantia dos direitos humanos fundamentais, dentre os quais se incluem a saúde e uma formação adequada para garantir esse direito anterior.
             Esta deve ser a função da Universidade: traduzir os desafios da vida em cidadania, possibilitando o pleno desenvolvimento da ação política para a transformação social, para a ampliação dos direitos humanos fundamentais.
             Há frases que gostaríamos de ter sido os autores. Afirma o psicanalista Rollo May “Ser membro de uma comunidade é partilhar de seus mitos...” “Os mitos dão sentido a nossa existência e ... fortalecem os valores morais”.
             Cumprir os rituais educacionais confere sentido aos esforços empreendidos pelos pais, pelas instituições e pelos indivíduos em formação, com o significado da aceitação e permissão à participação como membro da sociedade, como adulto autônomo e como profissional de uma categoria.
             Voces fizeram o juramento invocando os mitos de Asclépio, Higéia e Panacéia, ativando uma memória universal e atemporal associada ao dom e a arte sensível de cuidar e curar.
             Quando Ulisses partiu para a guerra de Tróia confiou a educação guerreira de seu filho Telêmaco a Mentor, missão cumprida até o seu retorno. Nesta jornada fomos nós, docentes da FAMED, mais do que educadores, mentores, com a missão impossível de educar para a vida,  com a segurança do dever cumprido, com a certeza de termos feito o melhor possível, sem torná-los cópias inacabadas ou ciborgues de nossas competências individuais acumuladas.
            A nossa garantia é a de que possibilitamos o desenvolvimento de potencialidades para o sucesso pessoal e profissional indissociada da ação cidadã: médicos competentes, críticos, reflexivos, flexíveis, com capacidade para liderar e o agir comunicativo, conforme preconizam as diretrizes curriculares nacionais, e mais do que isso, singulares, ousados empáticos e amorosos.
           Agradecemos aos pais, e aos vossos valorosos e queridos filhos a escolha da FAMED, a confiança em nós nesta jornada real e mítica de desenvolvimento pessoal.
           Médicos da turma Professor Luis Ferreira de Sousa desejo-vos sucesso, saúde, força, e mares serenos para a travessia das novas etapas de suas vidas.