quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Aos médicos do futuro - turma 2015.2


Estamos reunidos para conferir o grau de bacharel em medicina e homenagear os novos médicos egressos do curso de medicina da UFAL com a nossa presença, nossas palavras, nossos afetos e nosso respeito.
Nesse instante, pousamos nossos olhares mais afetuosos, nossas mãos mais suaves, os abraçamos no movimento último de aproximá-los ao peito para guardar um pouco do perfume e da doçura de cada um. E com a segurança de educadores cônscios de nossa missão e do trabalho bem feito, possamos num firme impulso lança-los para a vida autônoma, profissional, adulta, responsável, para que voem alto no limite dos seus próprios desejos.
Para o voo alto e seguro, aprendam desde já a desvencilhar-se do peso do passado, de alguma desavença, dos conflitos inerentes à condição humana e necessários ao desenvolvimento do caráter, para que a família ampliada e constituída durante seis anos de convivência diária, permaneça alimentada com a lembrança do melhor de cada um.  Que toda experiência, tudo que foi vivido junto, seja o combustível da nova etapa que iniciará tão logo estejam habilitados legalmente para o exercício ético da medicina.
Em tempos de embrutecimento do cotidiano, com as marcas do cinismo, do egoísmo e indiferença, do consumismo vazio, da corrupção, em que a desconfiança e o medo governam nossos modos de relações, temos a obrigação de contribuir para o restabelecimento dos laços sociais, intra e interfamiliares admitindo as novas reconfigurações, os comunitários, e os laços interprofissionais, e entre os povos e nações.   
 Este legado embrutecido das gerações anteriores, também deve ser deixado para trás, e com o poder da juventude, com a força do sonho, resistir à barbárie da política brasileira e da financeirização da vida, mantendo em movimento a roda da utopia.
Acreditem, o novo sempre vence!
E o sonho de vocês, apenas iniciou em sua aparência de realidade. Muito há ainda por conquistar, por construir juntos, por compartilhar, por responsabilizar-se.
Precisamos mudar nossas práticas e discursos: sem abandonar a compaixão precisamos criar e priorizar práticas solidárias, sem negar o presente, responsabilizarmo-nos pelo futuro, pelo meio ambiente, pelos povos e agrupamentos humanos em situação de vulnerabilidade.
A tecnologia aliada à ciência oferecerá a vocês, profissionais do futuro, artefatos cada vez mais sofisticados para o prolongamento da vida, transformação do corpo, para a seleção e a modificação do que hoje chamamos de vida humana, para o alivio de males que nos aflige há séculos, no entanto, a fronteira com a eugenia, com a manipulação de células, tecidos, embriões para fins mercadológicos, e de controle populacional, impõe que priorizem e continuem o desenvolvimento individual e profissional de competências éticas. A dignidade humana nos posiciona sempre como fins e nunca como meios.
A vaidade, a ambição, estarão à espreita, sutilmente, testando a ética e a imaturidade profissional, em ambientes de forte pressão mercadológica e política. E a adesão fácil às tendências, ao conformismo, ao oportunismo, poderá vir a ser uma carga que impedirá voos de realização de sonhos individuais com compromisso social, e fortalecerá as teias que nos aprisionam na cadeia do individualismo, e da falsa segurança.
A tomada de decisão deverá ser pautada em balizas éticas apoiadas nos direitos humanos, no plano individual e social, na clínica e na pesquisa com humanos e animais, na relação com os colegas e com toda a equipe de trabalho, na consideração da alocação de recursos na saúde para os mais vulneráveis, e na responsabilidade com as futuras gerações, como missão de nossos atos presentes.
Não esperem a vida melhor como dádiva, esta já lhes foi dada. E garanto, é bem melhor que a vida de dois terços da população brasileira. Agora, é trabalhar juntos para que esta dádiva seja o presente de vocês profissionais da saúde, médicos do corpo e da alma, para toda a humanidade, na forma de cuidados éticos. Ainda que a humanidade esteja contida nas fronteiras de um indivíduo, uma clínica, um hospital, uma comunidade, ou toda uma nação.
Cada um de vocês é uma síntese da humanidade, e nisso reside a dignidade humana, o direito de ser livre para escolher, opinar, e ser respeitado independente da herança cultural, genética.
Cada um de nós encerra o patrimônio genético e cultural da humanidade, com a diversidade e a expressão que faz a todos singulares.  Portanto, devemos o respeito à autonomia individual e cultural dos grupos na tomada de decisões sobre o início, a continuidade, e o fim da vida.
Vivemos em uma sociedade secularizada, onde o Estado é laico, e a aprendizagem sobre os direitos humanos é um desafio para exercício cotidiano profissional e cidadão.
Portanto, os preconceitos que limitam a nossa prática profissional são o terceiro peso a abandonarmos no caminho da construção de uma ética profissional que considere o ser humano como fim.
Para nós, vocês são a geração do futuro, mas o futuro não acaba em vocês. Preparem o melhor presente para o melhor ambiente futuro para seus filhos, e os filhos de seus amigos, e os filhos de seus filhos e de todos que dividirão convosco a passagem pela vida, nesta casa universal que a cada dia se torna menor, e chamamos Terra, e a viagem lhes será sempre leve, serena.
Lembrem-se que a responsabilidade profissional de aliviar a dor do outro implica também na responsabilidade cidadã da construção de um mundo melhor para todos.
Deste modo, construirão um mundo melhor para vocês também.
Um abraço fraterno a todos.



terça-feira, 7 de julho de 2015

DISCURSO AOS FORMANDOS DE MEDICINA DA UFAL - TURMA 2015.1


É com imenso prazer que vos falo nesta cerimônia de colação de grau para homenagear a nova turma de bacharéis em medicina. Como diretor da unidade, porto o símbolo da responsabilidade, o dever do zelo ético, pelo cuidado compartilhado para com o ensino técnico e o humanizado, e o bem estar de todos que compõem a Faculdade de medicina da UFAL. E em nome de todos os demais docentes e técnicos da FAMED, presentes e ausentes, com o calor das palavras e das emoções, saudamos os formandos e mantemos vivo, nesta cerimônia, o fogo do conhecimento mais antigo sobre o cuidado ético da saúde humana. Vivo desde que alguém precisou do cuidado de outro e este cuidado foi repetido até transformar-se em técnica, em conhecimento, sendo repassado por gerações de escravos, curandeiros, pitonisas, bruxas, cirurgiões-barbeiros, pajés, charlatães, até transformar-se no que conhecemos como a medicina biotecnológica de hoje. Conhecimento vivo, de investigação e transmissão oral no inicio, artesanal na idade média, empírica desde Descartes, e por fim, em nossos dias, tecnológico-digital. Nesta sumaríssima história da medicina e do ensino médico podemos admitir que a medicina nunca foi uma só, o ensino médico modificou-se com os avanços sociais e educacionais, e a ética para a formação e para o exercício da medicina também teve que se adaptar aos desafios impostos por estas transformações. De uma relação monárquica com os pacientes em que a palavra do médico era soberana, podendo, no entanto, ser punido por seus erros mais grosseiros, vigente desde Hipócrates até meados do século XX, a medicina passou a dialogar com os demais profissionais da saúde, em um modelo oligárquico para administrar a relação médico-paciente, sem considerar os principais interessados que ainda eram submissos à ordem profissional, mantendo este modelo até a consternação mundial com o abuso perpetrado por médicos no regime nazista, e em outras situações históricas envolvendo a pesquisa com seres humanos. É somente na segunda metade do século XX que por meio de lutas sociais por direitos humanos, gerando pactos e declarações nacionais e universais, a humanidade, na condição de vulnerabilidade, tem seus direitos minimamente assegurados, tais como autonomia para decidir sobre o tratamento proposto, pelo prognóstico, pelo inicio e fim da vida, e a justiça relativa à distribuição de recursos à saúde que tem garantido qualidade de vida a grupos antes condenados à escuridão das diferentes fases e faces do preconceito.
A medicina, profissão de tradição milenar humanitária tem tentado se adaptar, não sem sangrar e sofrer, a estas transformações que exigem o esforço corporativo de suas instituições e lideranças, no campo da técnica e do ensino, para reconhecer seus limites éticos no tempo da globalização, do interprofissionalismo, do individualismo consumista, do moralismo encobridor da ética perversa, e transformar-se para reconhecer que os direitos dos pacientes, em sua condição de fragilidade, são mais importantes que os de subjugá-los a preceitos e fórmulas adaptadas ao nosso tempo, e que serão modificadas permanentemente, como a própria vida. Assim, o CFM tem participado e muitas vezes liderado, e compartilhado de decisões que afetam o nosso bem estar, nossos modos de convivência com o próprio corpo e com os demais, posicionando-se a favor do aborto terapêutico, do consentimento informado na pesquisa e na relação com o paciente, do testamento vital, da cirurgia de transexualidade, da pesquisa com células tronco, do uso compassivo de canabidiol para crianças com epilepsia refratária a outros tratamentos.
Temos, no entanto, que enfrentar outros aspectos da vida pessoal e profissional, dependentes da necessidade de equilíbrio entre a proteção pessoal e do paciente, das comunidades e da nação, retomados com o processo de redemocratização e tornados campo de conflitos em função do desenvolvimento mesmo das profissões, da ciência e da tecnologia, e da hegemonia do capital em sua face atual neoliberal que financeiriza a vida.
 É um desafio permanente promover a maturidade profissional para compreender as mudanças mais gerais nos códigos de leis que devem proteger toda a nação, e assentando-se em bases democráticas garantir a constituição do laço social ampliando direitos e a proteção necessária aos mais vulneráveis, no caso da medicina e demais profissões de saúde a proteção prioritária aos grupos com vulnerabilidade biologica, economica, social, adaptando os códigos específicos corporativos às novas realidades.
Neste sentido, a atenção primária às comunidades carentes é prioridade e devemos concentrar esforços para sua ampliação com a qualidade necessária, realidade ainda distante. É nossa responsabilidade apoiar a qualificação dos preceptores da rede SUS, e ampliar a presença de graduandos e residentes na atenção primária. Bem como, para o exercício interprofissional solidário e de garantia da autonomia dos usuários devemos investir na formação e prática que ultrapasse a ética profissional dos deveres para considerar a reflexão sobre a vida em uma perspectiva bioética latinoamericana.
Portanto, caros formandos a medicina nunca foi exercida de forma igual em todas as etapas da civilização e regiões do planeta, e hoje o desafio maior é encarar a fragilidade da vida individual e social, e com a força humanitária que sempre guiou o exercício profissional, entender que o corpo vivo do qual falamos é o corpo social, o trabalho para a vida é o solidário e interprofissional, e a ética profissional deve estar subjugada à ética da vida e do respeito ao outro.
Se não conseguimos nestes seis anos faze-los compreender estes novos papéis é porque a medicina não apresenta unidade em seus interesses, estando ainda subjugada aos interesses comerciais que reduzem a vida a bens negociáveis. Que não seja esta a última aprendizagem sobre o exercício ético profissional, e não entendam como conselho, mas sim como advertência para que não sofram as consequências no próprio corpo da inflexibilidade de quem não consegue adaptar-se ao mundo do trabalho em saúde como é hoje, e se refugia no isolamento arrogante de papéis do passado.
A universidade para os discentes é como um conto de fadas muito diferente do futuro mundo do trabalho. Nela entramos como em um livro mágico e conhecemos outros personagens dando sentido a enredos individuais que se entrelaçam em uma história maior, que conta a historia de cada um de nós. Tramas de amizades, amores, intrigas, decepções, revelações, autodescobertas, entre amigos, paixões e revoltas com os professores, aprendizagem de autonomia e papéis adultos renegociados diariamente com os pais e amigos, preparatórios para as despedidas como esta que acontece hoje. Enquanto celebramos a conquista dizemos que estamos prontos para a partida, para deixá-los partir. Ficamos com a lembrança da marca singular que cada um conferiu neste enredo de trocas afetivas que permitiu a aprendizagem dos limites de uma profissão e de si.
Cabe a vocês, jovens médicos um legado de conhecimento milenar para viver com a mesma alegria vivida na universidade, e a partir de agora contribuir para transformar as práticas do cuidado em saúde em relações que promovam uma sociedade igualitária e eticamente saudável.
Parabéns a todos, e aos familiares, pela conquista. Sucesso e felicidade em suas futuras escolhas.




terça-feira, 13 de janeiro de 2015

DISCURSO NO ATO DE COLAÇÃO DE GRAU DE BACHAREL EM MEDICINA - TURMA 2014.2


DIA: 18/12/2014
É com a satisfação do dever cumprido, que vos apresento para o trabalho social, para a autonomia profissional e pessoal, para a responsabilidade cidadã, para o cuidado ético e humanizado dos outros e de si, a turma de bacharéis em medicina 2014.2.
A Faculdade de Medicina sente-se orgulhosa deste dia, por termos conduzido e apoiado o desenvolvimento de competências técnicas profissionais e ético-humanitárias a este grupo de jovens idealistas.
Com a atenção vigilante e a mão amiga de docentes comprometidos com a responsabilidade técnica de formar médicos, acrescentamos também à formação valores e princípios que abrem caminhos para uma prática médica solidária.
Jovens no inicio da formação e ainda hoje, aprenderam principalmente que, na era da velocidade, do descartável, da hegemonia da técnica e da ciência sobre os valores espirituais, o trabalho em equipe, o respeito ao outro, o privilégio da escuta na comunicação, proporcionam respostas, que no contexto apropriado, são tão satisfatórias e complexas quanto qualquer exame de ressonância magnética em contextos hospitalares. E mais ainda, que nos complexos hospitalares é preciso saber dar a boa e a má noticia; que o cuidado é mais eficaz quando as ações profissionais autônomas organizam-se de maneira dialógica, em torno de um objetivo comum: a pessoa sob cuidado, suplantando a vaidade e a ambição, quando são regidas com a melodia suave da compreensão mútua interprofissional.
Conviveram e aprenderam com a dura realidade das comunidades pobres na periferia de Maceió, mal assistidas em seus direitos inalienáveis de viver com dignidade: moradia, saneamento, segurança, educação, saúde, lazer. Esta experiência deverá ter servido como alicerce à crítica social, para o desenvolvimento de valores solidários e compassivos, e para a ação política que enseje a redução da desigualdade social.
Esta foi a nossa missão, cumprida com rigor nos diferentes contextos: HGE, Hospital Portugal Ramalho, Hospital do açúcar, Maternidade N. Sra. Da Guia, Hospital Artur Ramos, Hospital Universitário, Unidades Básicas de Saúde do município de Maceió, Arapiraca, Penedo, Branquinha, São José da Lage, Marechal Deodoro. Diferentes contextos, cenários, complexidade de atenção, equipes, diferentes comunidades, usuários, com suas diferentes histórias de vida e de modos de sobreviver e adoecer. Lugares de convivência harmoniosa e solidária com docentes e preceptores, usuários e técnicos hoje aqui representados, e ao longo da semana homenageados, exemplos para lembrar por toda a vida.
O Curso de Graduação em Medicina da UFAL tem como perfil do formando, o médico com formação generalista, humanista, crítica e reflexiva, com competência para atuar, pautado em princípios éticos, no processo de saúde-doença em seus diferentes níveis de atenção, com ações de promoção, prevenção, recuperação e reabilitação à saúde, na perspectiva da integralidade da assistência, com senso de responsabilidade social e compromisso com a cidadania, como promotor da saúde integral do ser humano.
Nosso maior desafio tem sido responder às críticas que dizem respeito à desumanização da medicina. Não fugimos à nossa responsabilidade de mudar e, desafiar aos demais setores da saúde, para olhar de frente também suas próprias práticas de cuidados, e desafiar também a sociedade que permanece acrítica diante de decisões ou da falta delas que afetam diretamente a qualidade do ambiente e da vida individual, familiar e comunitária. Não basta reformar currículos médicos, sem reformar os demais, não basta importar médicos sem oferecer estrutura que qualifique o cuidado, não basta abrir escolas médicas, sem a devida certificação da qualidade do ensino. Somos todos responsáveis por esta nação corrompida, usurpada, atingida gravemente nos princípios basilares da cidadania.  Não apenas os médicos, más todos os cidadãos devem participar da cura desta ferida aberta que corrompe todos os alicerces e ameaça a democracia.
Cumprimos a nossa parte, e hoje entregamos à sociedade médicos com competência e consciência crítica da realidade, capazes de escolhas entendendo que em suas trajetórias individuais, suas ações afetam e são afetadas pelas escolhas dos demais, que somos um todo complexo e indissociável, que é possível refazer o tecido social com o cultivo dos valores éticos comunitários e da espiritualidade necessária nos mínimos atos cotidianos, abandonando o antigo jeitinho brasileiro de levar vantagem em tudo.
Ou continuaremos no caminho da barbárie em que vemos o outro como inimigo e o meio ambiente como um imenso depósito do lixo de nosso egoísmo; aumentaremos nossos muros, grades de proteção, ampliaremos nossos mecanismos de vigilância, contrataremos cada vez mais exércitos de seguranças. E ainda assim veremos que nada disso nos afastará da insegurança e dos efeitos perversos da indiferença.
Senhores, senhoras, meus caros formandos, sabemos que a universidade é uma experiência curta, transitória, de forte influência no desenvolvimento do caráter, más não é a única, nem definitiva. A responsabilidade da formação e da consequência dos atos de cada um dos formandos desta turma e de qualquer outro formando neste país, é de cada um de nós, más a partir de hoje é principalmente deles.
Nós somos os resultados de nossas escolhas. Caros formandos vocês escolheram ser médicos, e nós os apoiamos durante seis longos e breves anos. Honrem a promessa hipocrática, defendam a democracia, a justiça, os direitos humanos, e sejam prósperos e felizes.
Muito obrigado aos familiares pela confiança, e a vocês pela aprendizagem mútua em todos estes anos de convivência.