domingo, 21 de outubro de 2012

NÃO FAÇA DO SEU CURSO UMA ARMA

             
A saúde pública e gratuita é essencial e direito constitucional que devemos garantir. A educação e a segurança também, a moradia, e o mais essencial de todos os direitos: o de decidir, sem ameaças. Não podemos permitir outra vez, em nossa história, em nossas vidas, a ameaça e o impedimento à circulação das ideias, da reflexão crítica, do pensamento livre, e de nossos corpos, nos espaços coletivos das universidades. O que deve ser impedido é a subserviência e o autoritarismo na gestão dos espaços universitários, que se constituem como públicos e de livre circulação aos corpos e às ideias emancipadoras e defensoras dos direitos da população brasileira.
Escrevo aqui contra o fatalismo teatralizado daqueles que só enxergam o futuro diante das quantias vultosas e fáceis prometidas pelo governo e babam e pulam de alegria como cães adestrados, ou raposas diante do galinheiro, sem conseguir esboçar um único pensamento reflexivo de desconfiança, ou uma atitude coerente com o esperado para os representantes do saber e do poder acadêmico.
Escrevo aqui contra esse fatalismo e negativismo de obsessivos e depressivos que usam o poder e a ambição como droga, e necessitam drogar-se coletivamente com o dinheiro público. O capital agoniza, mas rejuvenesce sempre exaurindo dos cofres públicos o sangue que necessita. Quando o alvo passa a ser a saúde pública e a educação, é porque em sua agonia está lançando mão de suas ultimas forças. Portanto, é preciso negar este sangue. Saúde não é mercadoria, os Hospitais Universitários são públicos, são nossos. Quando a esperteza política administra o fatalismo dos cidadãos manipulados como consumidores e espectadores passivos; quando promete e mantém no poder os mesmos personagens, que se acreditam insubstituíveis; quando a Universidade deixa de ser o lugar da livre circulação das ideias e dos corpos, algo de errado e muito grave já está acontecendo e é preciso reagir e impedir o crescimento do monstro. Não podemos andar na contramão da história. Depois do HU, será a vez da Universidade, progressivamente sucateada, ser entregue aos abutres do capital. Portanto, é preciso dizer não agora à EBSERH e ao projeto de dominação do capital financeiro internacional pela precarização do trabalho. Medidas paliativas e transitórias não salvarão o SUS. O remédio que o SUS precisa é de cidadania e coragem para o enfrentamento dos representantes do liberalismo econômico travestido de populismo. O Brasil necessita de um projeto genuíno de nação soberana, com prioridade para a saúde e a educação. E a educação médica não pode ser desvinculada do hospital universitário, sob o risco de queda na qualidade. Não faça do seu curso uma arma, a vítima poderá ser você!

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Discurso de colação de grau- turma 2012.1

Caros formandos,
Em nome da casa de vocês, a FAMED, gostaria inicialmente de saudá-los com o reconhecimento do esforço e compromisso individual e coletivo para com o próprio futuro e o futuro da medicina. Desde o inicio, voces imprimiram a marca singular da postura crítica e da fala desafiadora, em momento inicial de mudança curricular, desafiando-nos ao compromisso da implantação de estágios, metodologias, estratégias, cenários, avaliações, com a qualidade proporcional à reforma  anunciada. Inúmeras foram as dificuldades, os desafios, os conflitos, entre vocês, entre nós, todos superados pelo tempo, pela maturidade, pela construção coletiva. Tenho certeza que hoje, com vocês, muitos docentes estarão autorizando-se em silencio a maturidade de alguma característica técnica ou humana do exercício docente desenvolvida em resposta ao desafio imposto por uma turma forte, que soube reivindicar direitos, exigir respeito, criticar equívocos, e no tempo necessário, reconhecer limites.
Ensinando a arte do cuidado, aprendemos com cada aluno e cada turma, a arte de ensinar com o rigor necessário à formação que corresponda às demandas sociais mais atuais para o adequado exercício da medicina e da docência. Cuidando uns aos outros, docentes e discentes, no processo de ensinar e aprender a cuidar, cultivamos juntos a transmissão de um saber tão antigo quanto a própria humanidade: o conhecimento prático de zelar pela vida, evitar o sofrimento prolongado ou desnecessário, e manter o respeito pelos limites que a nossa ignorância nos impõe diante da morte. Aprendemos com Paulo Freire que a educação é uma via de mão dupla e de entrecruzamentos possíveis e necessários em que educadores e aprendizes se educam mutuamente. A FAMED considera este preceito fundamental e fundante da reforma curricular proposta em 2006. Desde então estamos em processo contínuo de desenvolvimento curricular, propondo, ensaiando, pesquisando, reavaliando, pactuando, e construindo no cotidiano a formação médica que podemos, com os recursos técnicos, financeiros, e humanos, que dispomos, dentre os quais incluímos vocês, discentes, como vozes ativas, como parceiros, desta ousadia que ultrapassa os limites da relação tradicional docente-discente, e nos aproxima ao longo dos seis anos de convívio como adultos e amigos. Creio que estamos, com esta proposta inovadora, sedimentando o alicerce de uma sociedade mais fraterna, baseada em valores morais que dispensam a tutela absoluta, a passividade, a resposta pronta, a repetição, o medo da crítica e do novo. Diante do conhecimento que se renova aceleradamente, dos desafios da globalização, da percepção modificada do tempo, e dos limites do corpo, propomos uma formação que os eduque para a auto-aprendizagem permanente, para a dúvida compartilhada e solucionada no apoio mútuo, para a valorização do essencial, para o reconhecimento da possibilidade de criação de caminhos próprios, sem o individualismo exacerbado que a educação tradicional, tecnicista, ultraespecializada e precoce confere. Acreditamos com Theodor Adorno que “A enorme massa do saber quantificável e tecnicamente utilizável não passa de veneno se for privada da força libertadora da reflexão”, e com Heráclito que “nada existe em caráter permanente, a não ser a mudança”. Tentamos educa-los com estes princípios e cremos que a resposta expressa, por cada um de vocês, corresponde ao que todo educador anseia: médicos competentes, más sábios de que a competência é construída cotidianamente com as evidencias cientificas associadas à experiência que nenhuma diretriz ou protocolo é capaz de assegurar para a prática médica racional e humana; e médicos humanos, e sábios de que a competência humana também é construída cotidianamente no reconhecimento dos limites do trabalho multiprofissional, e na prática socialmente responsável. A observação de cada um de vocês, durante estes seis anos, nos assegura de que estamos trilhando o caminho certo para a formação médica com as competências técnicas e humanitárias necessárias para o exercício ético da profissão. Más, se muito do que falo for apenas a projeção de um ideal de aluno e médico, por um educador que ainda sonha e luta por seu ideal, de uma formação emancipadora e socialmente responsável, que estas palavras soem como um último ensinamento, uma última reflexão com a força libertadora de que fala Adorno, e que com a emoção deste momento os faça lembrar sempre de que o que nos move como educador médico é um amor incondicional pelas artes de cuidar e educar adultos para esta imprescindível, e bela profissão, a medicina, que a partir de agora se confunde com suas próprias vidas.
No entanto, gostaria de admitir uma falha na formação e fazer uma crítica às diretrizes curriculares do MEC para os cursos de medicina, que  propõem o desenvolvimento de lideranças para o trabalho em equipe, más não propõem o associativismo sindical como campo de estágio para o desenvolvimento desta competência. Nenhuma profissão por mais bela e representativa, socialmente, se sustenta com a dignidade necessária sem o trabalho associativo, em que a defesa política dos direitos da categoria está vinculada intimamente à defesa dos direitos da população aos produtos da ação técnica da categoria, em nosso caso o direito ao acesso universal a uma saúde de qualidade. Atualmente, assistimos com perplexidade o descaso do governo federal para com estes direitos da categoria medica, e de acesso à saúde de qualidade, com iniciativas equivocadas de superação destas dificuldades por meio de portarias e decretos que disfarçam muito mal o repasse dos hospitais universitários para o setor privado, e preparam a futura precarização do trabalho médico com a abertura indiscriminada de vagas e escolas médicas sem a consideração do rigor dos critérios técnicos propostos pelos órgãos representativos da categoria, e com a imposição da ausência de revalidação de diplomas médicos estrangeiros.  Todas estas políticas sendo orquestradas por um governo que se recusa a dialogar com os funcionários públicos das universidades em período de greve que já se estende por dois meses, e a conceder os dez por cento do PIB necessários para a reorganização e ampliação do SUS e para a oferta de salários e condições de trabalho digno para todos os profissionais da saúde. O próximo passo, em seguida ao reconhecimento do excesso de médicos e da formação insuficiente e inadequada será a proposição do exame de ordem, o que frustrará ou no mínimo adiará o sonho de muitos após seis longos anos de árduos estudos.



Estes desafios os aguardam como uma realidade muito próxima, e que o associativismo forte poderá, ao menos minimizar os estragos para a categoria. Usem esta marca singular deste grupo, a crítica e a ousadia, de maneira positiva, para nos órgãos representativos de classe, defender os direitos da categoria e da sociedade por uma formação e por uma saúde com qualidade.
Por fim, chega a hora da despedida, dos colegas, das famílias, e de nós docentes. Ainda nos encontraremos muito no facebook, más aguardamos que retornem após os cursos de especialização para o convívio real, nesse cantinho charmoso do mundo chamado Alagoas, sabendo que na FAMED haverá sempre o espaço de vocês.  Mikaele, Beto e Lara, representantes de outros estados e que retornam para seus cantinhos familiares, deixarão muita saudade. Alex, os Brunos, Caio, as Marianas, Yves, as Clarissas, e demais colegas, meu respeito e reconhecimento pela vitória alcançada.
 A vida é imprevisível, más no que tem de previsível aponta para o sucesso, desde que este seja o desejo e o sonho de cada um. Este é o meu desejo, que vocês tenham muito sucesso.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

AS DORES DA MUDANÇA

AS DORES DA MUDANÇA

Há duas semanas consecutivas em trabalho conjunto, com os componentes do NDE, do colegiado, e com mais alguns docentes convidados, todos do curso de medicina, na segunda oficina fui surpreendido com a resistência às minhas sugestões de modificações do PPC. Ao apresentar a sugestão de mudança de um dos princípios norteadores da reforma curricular iniciada há seis anos, de ênfase nas necessidades de saúde da população, que considero fortemente vinculada à concepção epidemiológica de saúde/doença, para a problematização das necessidades de saúde, quis enfatizar uma outra concepção ética e política de saúde/doença resultante de prioridades definidas a partir da posição de classe e visão de sociedade. Os desdobramentos teórico-práticos de concepção e execução de um PPC serão naturalmente diferentes. Talvez eu não tenha deixado clara esta diferença, talvez esteja subestimando a capacidade politica de compreensão imediata de alguns colegas sobre as consequências politicas, as estratégias, técnicas de ensino, cenários, atitudes, formas de avaliação, ainda que as diferenças na compreensão plena dos conceitos em educação em saúde seja uma realidade neste grupo. A segunda sugestão, de incluir a avaliação pelo usuário e comunidade no rol de instrumentos para a auto-avaliação institucional despertou novamente oposição, desta vez aliando aspectos de resistência politica a desconhecimento técnico sobre a avaliação em 360 graus. Neste momento, o feedback dos resultados das avaliações, ponto incômodo em outros momentos, até foi esquecido ou aceito consensualmente, devido à necessidade de se contestar a ousadia de se incluir o usuário dos serviços de saúde-cenários de aprendizagem, como críticos de nossos atos educacionais formativos. Com o título de “Acertando o passo”, a oficina foi sugerida, com ironia, mudar para “Acertando com o Passos”, em alusão ao meu sobrenome. Posta desta forma a questão se desdobra em três possibilidades: uma de que eu esteja impositivo, ou no mínimo acelerado e mais adiante dos demais, exigindo que uma fórmula minha concebida como verdade, sem a devida reflexão, e num tempo breve, seja logo aceita por todos; outra, a dificuldade e resistência de colegas em função de posições ideológicas que permitem outras construções curriculares para a formação médica; por ultimo, nossos fantasmas podem estar perturbando nossos afetos, com negações e projeções que de um lado negam a minha posição de liderança, e do meu lado, perturbam-me com a busca de reconhecimento deste mesmo lugar. Reconheço a minha ansiedade por uma mudança curricular mais integradora e menos tensa. Admito a necessidade, legítima, de imprimir uma marca no atual período da gestão, e ser reconhecido como líder capaz de uma condução de um processo de desenvolvimento curricular mais avançado que o atual. Também é real que os sentimentos projetados apontam as dificuldades e diferenças a cada um em lidar com a autoridade, a figura internalizada do pai. A medicina como representante hegemônico do poder cientifico no modelo hospitalocêntrico tem formado indivíduos para ocupar o lugar do pai severo, distante e pouco relacional. E de modo especular todas as demais profissões reproduzem-se do mesmo modo, pois a matriz é anterior e maior que a medicina, o modelo científico. Este lugar, tradicional, não posso ocupar, reproduzir ou legitimar. Negando-me a corresponder a este papel, anulo as minhas preocupações anteriores de estar sendo impositivo. Agradeço então aos colegas pelo feedback relacional para corrigir-me a tempo.
A compreensão pessoal da necessidade de um PPC ético e politicamente orientado para a responsabilidade social do egresso associado ao desenvolvimento de autonomia das comunidades-cenários da aprendizagem, não mudará. Neste momento, no grupo de docentes, a regra não é vencer, ou impor, é propiciar reflexões e despertar a cidadania. Não há na ação docente, em qualquer momento ou modalidade, distanciamento da política. Nossos atos docentes reproduzem uma concepção curricular alinhada com o PPC que por sua vez está orientado por uma concepção politica de sociedade. Se o ordenamento curricular é o esqueleto do curso, o PPC é a alma do curso, e mais que isso, é o livro sagrado ao qual devemos com certa frequência  recorrer para guiar nossas ações mais imediatas, e a médio prazo submete-lo a revisões, pois já não lidamos com dogmas e sim com sociedades vivas e distintas, que demandam respostas especificas que levem em conta os avanços científicos e tecnológicos e a cultura no seu sentido mais amplo.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

A HUMANIZAÇÃO DA MEDICINA



A centopeia encontrou-se, um dia, com um gafanhoto que lhe disse: " Da. Centopéia, a senhora é um assombro, tantas pernas, todas andando ao mesmo tempo, nunca tropeçam, nunca se embaralham... Da. Centopéia, por favor me diga: quando a senhora vai andar, qual é a primeira perna que a senhora mexe?" A Centopeia se assustou. Nunca havia pensado nisso. Sempre andara sem precisar pensar. "Não sei, senhor Gafanhoto. Mas prometo: da próxima vez que eu andar, prestarei atenção." Termina a estória dizendo que desde esse dia a Centopéia ficou paralítica...  
Durante um dos estimulantes congressos brasileiros de educação médica um professor de conceituada e inovadora escola médica, com muitos anos de docência, sincero em sua angústia de ser cobrado a ser humano, ou mais humano, afirmou sentir-se incompleto para esta função. Percebendo a incompletude da formação médica atual para o desenvolvimento de atitudes humanitárias sugeriu para os novos alunos e para os já veteranos colegas cinco referências literárias, dentre as quais as cinco lições de psicanálise de Sigmund Freud. Todas as referências, em especial as cinco lições de psicanálise, muito caras à minha formação psicanalítica, admito dever ser de leitura obrigatória a qualquer profissional da área da saúde ou da educação. A legitimidade de sua angústia e das sugestões literárias não impede, no entanto, que observemos nossas atitudes com o distanciamento e a neutralidade possível para contextualizá-las adequadamente. Senti uma ternura profunda por aquele senhor grisalho e miúdo, que se misturava ao muito respeito que aprendi a ter para com os mais velhos e os professores. Ouvi-o com muita atenção, sem interrompê-lo. Más, no distanciamento necessário propiciado pela reflexão posterior e solitária percebo como refletimos em nossas atitudes as informações que teceram a nossa própria formação, situando-nos como parte de um todo que não vislumbramos com a necessária distinção.
Preocupado com o professor sem a formação adequada para o ofício pedagógico e que agora é cobrado a compreender-se humano para humanizar alunos, com seus reflexos, aquele senhor dotado da mais sincera e legítima intenção acredita que é possível mudar alguém com leituras especializadas e dotadas de saber humanizante.
A racionalidade aparentemente ingênua na voz daquele senhor despertou-me, além da ternura, maior respeito aos livros e seus autores que escrevem com a intenção de ensinar a aproximar, acolher, respeitar, ter compaixão e amar o próximo. Nunca se escreveu e se falou tanto sobre o tema humanismo como nos dias atuais. Talvez a motivação seja, de fato, a ausência ou a distorção de valores humanistas na atualidade, ou para alguns reflita apenas a nostalgia de papéis e valores mais definidos que os de hoje.
Estando ou não vivenciando uma época de transição em que se misturam valores modernistas aos hipermodernistas ou pós-modernistas, também é certo que no quesito dos valores humanitários, o mundo vai de mal a pior. E as relações profissionais no exercício da docência em saúde, não apenas em medicina, não são diferentes das relações profissionais no trabalho em saúde, ou no trabalho ou na docência em qualquer categoria profissional ou nível social.
A excessiva psicologização da educação simultânea à despolitização impedia ao experiente professor a compreensão de que à medida que nos constituímos como pessoa, sujeito, desde a infância, é pelo exemplo e pela imitação, pela observação do exercício diário dos valores de uma moral coletiva por familiares, professores, e autoridades em geral que constituímos uma ética pessoal diferenciadora, humanizante ou não. E que o professor perfeito, educado apenas pela técnica psicopedagógica é desumanizador. A admissão de sua insuficiência é um requisito básico e necessário para que o discípulo não se constitua pela ilusão da onipotência.
Cresci ouvindo que se conselho fosse bom não seria dado e sim vendido. Estamos na era dos conselhos vendidos, em que a literatura e programas de auto-ajuda prometem a felicidade pelo preço módico de um livro, uma conferência, ou um fim de semana em um spá. Nem por isso, estamos mais felizes!
A visão da educação como tecnologia apenas, nos transforma em funcionários e prescritores de regras as quais desconhecemos a origem e motivação política.
Melhor seria esquecer as leituras técnicas humanizantes, solitárias, e exercer a arte dos encontros, com os abraços e os olhares pousados com ternura sobre o outro, com as palavras doces e sinceras, os cumprimentos afáveis, e as delicadezas que tecem os dias tranquilos e felizes.
As leituras, que sejam poesias, bons romances, as pausas necessárias aos pensamentos racionais e utilitários, e á dureza dos momentos em que lidamos com as dores e os limites.
Neste momento, em que nos mobilizamos para revisar o PPG do curso de medicina, precisamos refletir sobre as possibilidades atuais de equilíbrio entre técnica e política, razão e emoção, para recriar caminhos sem os atalhos do conformismo, sem os exageros do tecnicismo, sem o reducionismo psicologizante.

terça-feira, 27 de março de 2012

NADA EXISTE EM CARÁTER PERMANENTE, A NÃO SER A MUDANÇA
Heráclito

A educação médica como é pensada e praticada hoje contempla todas as possibilidades: que as contribuições advenham de todas as direções, atores, momentos, cenários, estratégias, conhecimentos, conflitos, adversidades, e da pesquisa em que o objeto seja a educação médica em si. A riqueza de informações, a troca intensa e permanente de experiências sobre a educação médica, em todo o mundo, faz do momento atual um marco singular na história da formação de médicos para o mercado da saúde. Vivemos em uma época em que o mercado liberal de trabalho médico se retrai e é substituído pelo trabalho assalariado, em que o Estado tenta recuperar espaço e assegurar uma politica de fixação de médicos com um perfil bem definido, de médicos clínicos com especial atenção à saúde da família. Algo parecido acontece com as demais profissões em saúde, cada uma com sua própria história de educação em saúde, porém bem atrás do movimento de mudança observado na medicina. No entanto, o crescimento das profissões em saúde tem impulsionado um movimento irregular de disputa de espaço e poder, que de maneira inesperada tem alimentado discussões e mudanças na educação médica em direção a um equilíbrio futuro nas relações de trabalho. No entanto, o que acontece na sociedade, palco dessas disputas, não se reflete necessariamente com a mesma configuração nas universidades. Nos conselhos regionais e sindicatos, a distância entre as lideranças tem aumentado, com a desculpa de definição de atos e características a cada profissão, enquanto na universidade busca-se o diálogo, e conceitos como multi, inter e transdiciplinaridades são postos em ação, educando os futuros profissionais para a nova divisão do trabalho, em especial o trabalho no SUS. Em Alagoas, o curso de medicina apresenta uma politica própria e inclusiva de educação permanente para qualificação docente, de uma política própria de desenvolvimento curricular e revisão continuada de práticas e critérios para uma formação mais harmônica com as demandas públicas regionais, com a epidemiologia local, com a superação de interesses e prioridades excludentes e privatizantes da saúde. Hoje, seis anos após a reforma curricular, e concluída formação da primeira turma com este perfil, lideranças do curso percebem dificuldades e tentam em conjunto apontar soluções, e avançar em direção a um perfil mais adequado às políticas públicas que acionam o trabalho em saúde no momento atual. A integração buscada desde o primeiro momento da reforma curricular há seis anos ainda se constitui um dos principais desafios. Desfeitos os departamentos, ditos especializantes, seus fantasmas persistem na nova organização em eixos mais paralelos que integrados, e que dividem a formação em medicinas distintas, “individual e biológica” e “comunitária, do PSF”, mantendo e reproduzindo visões e práticas antigas de exercício de poder que refletem a visão de trabalho médico ainda vigente na sociedade. Conflitos, avanços e recuos, medos e resistências, soluções criativas e específicas a nossas necessidades, estão presentes em nosso cotidiano. Amizades são ameaçadas, o frágil equilíbrio da saúde individual e grupal é ameaçado, a integração alcançada é, por vezes, ameaçada. O desafio é permanente, não somos mais apenas médicos formando médicos, somos docentes médicos responsáveis pela formação de médicos com qualidade suficiente para qualificar sua própria vida e a vida dos outros. Somos responsáveis por uma ação docente para uma formação decente; por uma formação decente para uma vida e trabalho prudentes.  A partir de hoje, este blog nos permitirá refletir, descrever e trocar ideias sobre o cotidiano de um grupo que se permite criar e propor soluções aos desafios que a formação médica impõe. E que o provincianismo e os interesses políticos –acadêmicos locais, aliados de carreirismos e oportunismos vigentes, não nos atrapalhe!