sexta-feira, 20 de julho de 2012

Discurso de colação de grau- turma 2012.1

Caros formandos,
Em nome da casa de vocês, a FAMED, gostaria inicialmente de saudá-los com o reconhecimento do esforço e compromisso individual e coletivo para com o próprio futuro e o futuro da medicina. Desde o inicio, voces imprimiram a marca singular da postura crítica e da fala desafiadora, em momento inicial de mudança curricular, desafiando-nos ao compromisso da implantação de estágios, metodologias, estratégias, cenários, avaliações, com a qualidade proporcional à reforma  anunciada. Inúmeras foram as dificuldades, os desafios, os conflitos, entre vocês, entre nós, todos superados pelo tempo, pela maturidade, pela construção coletiva. Tenho certeza que hoje, com vocês, muitos docentes estarão autorizando-se em silencio a maturidade de alguma característica técnica ou humana do exercício docente desenvolvida em resposta ao desafio imposto por uma turma forte, que soube reivindicar direitos, exigir respeito, criticar equívocos, e no tempo necessário, reconhecer limites.
Ensinando a arte do cuidado, aprendemos com cada aluno e cada turma, a arte de ensinar com o rigor necessário à formação que corresponda às demandas sociais mais atuais para o adequado exercício da medicina e da docência. Cuidando uns aos outros, docentes e discentes, no processo de ensinar e aprender a cuidar, cultivamos juntos a transmissão de um saber tão antigo quanto a própria humanidade: o conhecimento prático de zelar pela vida, evitar o sofrimento prolongado ou desnecessário, e manter o respeito pelos limites que a nossa ignorância nos impõe diante da morte. Aprendemos com Paulo Freire que a educação é uma via de mão dupla e de entrecruzamentos possíveis e necessários em que educadores e aprendizes se educam mutuamente. A FAMED considera este preceito fundamental e fundante da reforma curricular proposta em 2006. Desde então estamos em processo contínuo de desenvolvimento curricular, propondo, ensaiando, pesquisando, reavaliando, pactuando, e construindo no cotidiano a formação médica que podemos, com os recursos técnicos, financeiros, e humanos, que dispomos, dentre os quais incluímos vocês, discentes, como vozes ativas, como parceiros, desta ousadia que ultrapassa os limites da relação tradicional docente-discente, e nos aproxima ao longo dos seis anos de convívio como adultos e amigos. Creio que estamos, com esta proposta inovadora, sedimentando o alicerce de uma sociedade mais fraterna, baseada em valores morais que dispensam a tutela absoluta, a passividade, a resposta pronta, a repetição, o medo da crítica e do novo. Diante do conhecimento que se renova aceleradamente, dos desafios da globalização, da percepção modificada do tempo, e dos limites do corpo, propomos uma formação que os eduque para a auto-aprendizagem permanente, para a dúvida compartilhada e solucionada no apoio mútuo, para a valorização do essencial, para o reconhecimento da possibilidade de criação de caminhos próprios, sem o individualismo exacerbado que a educação tradicional, tecnicista, ultraespecializada e precoce confere. Acreditamos com Theodor Adorno que “A enorme massa do saber quantificável e tecnicamente utilizável não passa de veneno se for privada da força libertadora da reflexão”, e com Heráclito que “nada existe em caráter permanente, a não ser a mudança”. Tentamos educa-los com estes princípios e cremos que a resposta expressa, por cada um de vocês, corresponde ao que todo educador anseia: médicos competentes, más sábios de que a competência é construída cotidianamente com as evidencias cientificas associadas à experiência que nenhuma diretriz ou protocolo é capaz de assegurar para a prática médica racional e humana; e médicos humanos, e sábios de que a competência humana também é construída cotidianamente no reconhecimento dos limites do trabalho multiprofissional, e na prática socialmente responsável. A observação de cada um de vocês, durante estes seis anos, nos assegura de que estamos trilhando o caminho certo para a formação médica com as competências técnicas e humanitárias necessárias para o exercício ético da profissão. Más, se muito do que falo for apenas a projeção de um ideal de aluno e médico, por um educador que ainda sonha e luta por seu ideal, de uma formação emancipadora e socialmente responsável, que estas palavras soem como um último ensinamento, uma última reflexão com a força libertadora de que fala Adorno, e que com a emoção deste momento os faça lembrar sempre de que o que nos move como educador médico é um amor incondicional pelas artes de cuidar e educar adultos para esta imprescindível, e bela profissão, a medicina, que a partir de agora se confunde com suas próprias vidas.
No entanto, gostaria de admitir uma falha na formação e fazer uma crítica às diretrizes curriculares do MEC para os cursos de medicina, que  propõem o desenvolvimento de lideranças para o trabalho em equipe, más não propõem o associativismo sindical como campo de estágio para o desenvolvimento desta competência. Nenhuma profissão por mais bela e representativa, socialmente, se sustenta com a dignidade necessária sem o trabalho associativo, em que a defesa política dos direitos da categoria está vinculada intimamente à defesa dos direitos da população aos produtos da ação técnica da categoria, em nosso caso o direito ao acesso universal a uma saúde de qualidade. Atualmente, assistimos com perplexidade o descaso do governo federal para com estes direitos da categoria medica, e de acesso à saúde de qualidade, com iniciativas equivocadas de superação destas dificuldades por meio de portarias e decretos que disfarçam muito mal o repasse dos hospitais universitários para o setor privado, e preparam a futura precarização do trabalho médico com a abertura indiscriminada de vagas e escolas médicas sem a consideração do rigor dos critérios técnicos propostos pelos órgãos representativos da categoria, e com a imposição da ausência de revalidação de diplomas médicos estrangeiros.  Todas estas políticas sendo orquestradas por um governo que se recusa a dialogar com os funcionários públicos das universidades em período de greve que já se estende por dois meses, e a conceder os dez por cento do PIB necessários para a reorganização e ampliação do SUS e para a oferta de salários e condições de trabalho digno para todos os profissionais da saúde. O próximo passo, em seguida ao reconhecimento do excesso de médicos e da formação insuficiente e inadequada será a proposição do exame de ordem, o que frustrará ou no mínimo adiará o sonho de muitos após seis longos anos de árduos estudos.



Estes desafios os aguardam como uma realidade muito próxima, e que o associativismo forte poderá, ao menos minimizar os estragos para a categoria. Usem esta marca singular deste grupo, a crítica e a ousadia, de maneira positiva, para nos órgãos representativos de classe, defender os direitos da categoria e da sociedade por uma formação e por uma saúde com qualidade.
Por fim, chega a hora da despedida, dos colegas, das famílias, e de nós docentes. Ainda nos encontraremos muito no facebook, más aguardamos que retornem após os cursos de especialização para o convívio real, nesse cantinho charmoso do mundo chamado Alagoas, sabendo que na FAMED haverá sempre o espaço de vocês.  Mikaele, Beto e Lara, representantes de outros estados e que retornam para seus cantinhos familiares, deixarão muita saudade. Alex, os Brunos, Caio, as Marianas, Yves, as Clarissas, e demais colegas, meu respeito e reconhecimento pela vitória alcançada.
 A vida é imprevisível, más no que tem de previsível aponta para o sucesso, desde que este seja o desejo e o sonho de cada um. Este é o meu desejo, que vocês tenham muito sucesso.

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