A expectativa sobre o último
COBEM – Congresso Brasileiro de Educação Médica – resultou em frustração e
tomada de consciência pela maioria participante. Frustração por muitos motivos:
a desorganização do congresso sediado em um centro de convenções necessitando
reformas urgentes para eliminar o bolor e a sujeira acumulada ao redor; a
apresentação de mais de cem pôsteres simultâneos a cada dia, gerando uma
balbúrdia própria ao carnaval ou aos mercados e feiras populares como a do
passarinho em Maceió, o que me fez desistir de apresentar importante reflexão
sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais e gozar com o canto e a arte de
Geraldo Maia, um passarinho mais agradável de ver e ouvir; a presença ostensiva
e privilegiada de espaços físicos para empresas hospitalares de grande porte e
alta complexidade financiadas com o dinheiro público, como o IMIP de Pernambuco
e Hospital Sírio-Libanês de São Paulo; stand do programa Mais Médicos, em momento
de conflito entre as entidades representativas dos médicos e o governo federal;
em meio à desorganização, o uso de mecanismos de controle e vigilância sobre os
participantes com funcionários uniformizados com máquinas de leitura digital
para controle de frequência; a percepção de que os representantes do Ministério
da Saúde detinham o controle sobre a programação do evento e ostensivamente
pressionavam a direção da ABEM com falas que poderiam ser lidas como chantagem;
falta de apoio aos discentes, que pela primeira vez em muitos eventos da ABEM
não puderam dispor de alojamento, transporte e alimentação, dando a impressão
de que era importante para a entidade desmobilizar a categoria discente e
reduzir o contingente no evento em momento de conflito; discursos “educados”,
ou domados, dos representantes das entidades ABEM e DENEM, enquanto os
representantes do MS atacavam abertamente a categoria médica; presença de lideranças
oriundas da DENEM hoje ocupando cargos ministeriais com discursos autoritários
e manipuladores próprios a regimes fascistas.
A luz no fim do túnel pode ser
vislumbrada quando os representantes do MS foram vaiados, e no fim do congresso
os discentes articularam uma reação à presença das empresas hospitalares. Para
Marx o aprofundamento da crise do capital permite reações que desalienam os
oprimidos e põe em ação respostas organizadas e mais maduras dos movimentos
sociais.
No entanto, a luz ainda está
muito distante. A crise não é apenas política, ela é primordialmente ética. A
ambivalência e os silenciamentos dos discursos da ABEM e da DENEM, e de alguns
participantes do congresso, um certo arrefecimento das demais entidades
representativas de médicos, e a ostensiva implantação do programa Mais Médicos,
permitiu esta semana mais um lance de espetacularização midiática para a
desqualificação da categoria médica, sendo apresentada em rede nacional a
prisão em flagrante de um médico paranaense após operação policial de
vigilância contínua por dias para verificação do ilícito. O coitado foi usado
como o bode expiatório da vez para mostrar a força do aparelho do estado sobre
a categoria escolhida como inimiga para se fortalecer diante de uma população
desassistida hoje, principalmente de valores morais e éticos. Cumpre-se a
promessa do representante da SGETES, feita na mesma Recife, este ano, no
congresso da SBPC, de “descer o braço pesado do Estado sobre a categoria
médica”. Nada diferente dos discursos de alguns colegas sanitaristas presentes
ao COBEM que falavam que era melhor um copo meio cheio que vazio em apologia ao
programa do governo. Tanta chantagem, ameaças, espionagem, e posições e
discursos neutros, técnico-educacionais, complementam-se ampliando resistências
e apassivamento de boa parte da comunidade docente e discente, em contraposição
ao propalado nas DCNs de uma formação crítico-reflexiva. Além disso, fere-se um
dos princípios fundamentais da ética de que os fins justificam os meios, e não
o contrário.
Quanto à luz no fim do túnel, que
os cientistas possam encontrar no túmulo do filósofo Diógenes o cínico, células para sua clonagem
e a lanterna para que ele redivivo possa continuar sua procura por “um homem”
(honesto?) nesse país.