quarta-feira, 13 de junho de 2012

AS DORES DA MUDANÇA

AS DORES DA MUDANÇA

Há duas semanas consecutivas em trabalho conjunto, com os componentes do NDE, do colegiado, e com mais alguns docentes convidados, todos do curso de medicina, na segunda oficina fui surpreendido com a resistência às minhas sugestões de modificações do PPC. Ao apresentar a sugestão de mudança de um dos princípios norteadores da reforma curricular iniciada há seis anos, de ênfase nas necessidades de saúde da população, que considero fortemente vinculada à concepção epidemiológica de saúde/doença, para a problematização das necessidades de saúde, quis enfatizar uma outra concepção ética e política de saúde/doença resultante de prioridades definidas a partir da posição de classe e visão de sociedade. Os desdobramentos teórico-práticos de concepção e execução de um PPC serão naturalmente diferentes. Talvez eu não tenha deixado clara esta diferença, talvez esteja subestimando a capacidade politica de compreensão imediata de alguns colegas sobre as consequências politicas, as estratégias, técnicas de ensino, cenários, atitudes, formas de avaliação, ainda que as diferenças na compreensão plena dos conceitos em educação em saúde seja uma realidade neste grupo. A segunda sugestão, de incluir a avaliação pelo usuário e comunidade no rol de instrumentos para a auto-avaliação institucional despertou novamente oposição, desta vez aliando aspectos de resistência politica a desconhecimento técnico sobre a avaliação em 360 graus. Neste momento, o feedback dos resultados das avaliações, ponto incômodo em outros momentos, até foi esquecido ou aceito consensualmente, devido à necessidade de se contestar a ousadia de se incluir o usuário dos serviços de saúde-cenários de aprendizagem, como críticos de nossos atos educacionais formativos. Com o título de “Acertando o passo”, a oficina foi sugerida, com ironia, mudar para “Acertando com o Passos”, em alusão ao meu sobrenome. Posta desta forma a questão se desdobra em três possibilidades: uma de que eu esteja impositivo, ou no mínimo acelerado e mais adiante dos demais, exigindo que uma fórmula minha concebida como verdade, sem a devida reflexão, e num tempo breve, seja logo aceita por todos; outra, a dificuldade e resistência de colegas em função de posições ideológicas que permitem outras construções curriculares para a formação médica; por ultimo, nossos fantasmas podem estar perturbando nossos afetos, com negações e projeções que de um lado negam a minha posição de liderança, e do meu lado, perturbam-me com a busca de reconhecimento deste mesmo lugar. Reconheço a minha ansiedade por uma mudança curricular mais integradora e menos tensa. Admito a necessidade, legítima, de imprimir uma marca no atual período da gestão, e ser reconhecido como líder capaz de uma condução de um processo de desenvolvimento curricular mais avançado que o atual. Também é real que os sentimentos projetados apontam as dificuldades e diferenças a cada um em lidar com a autoridade, a figura internalizada do pai. A medicina como representante hegemônico do poder cientifico no modelo hospitalocêntrico tem formado indivíduos para ocupar o lugar do pai severo, distante e pouco relacional. E de modo especular todas as demais profissões reproduzem-se do mesmo modo, pois a matriz é anterior e maior que a medicina, o modelo científico. Este lugar, tradicional, não posso ocupar, reproduzir ou legitimar. Negando-me a corresponder a este papel, anulo as minhas preocupações anteriores de estar sendo impositivo. Agradeço então aos colegas pelo feedback relacional para corrigir-me a tempo.
A compreensão pessoal da necessidade de um PPC ético e politicamente orientado para a responsabilidade social do egresso associado ao desenvolvimento de autonomia das comunidades-cenários da aprendizagem, não mudará. Neste momento, no grupo de docentes, a regra não é vencer, ou impor, é propiciar reflexões e despertar a cidadania. Não há na ação docente, em qualquer momento ou modalidade, distanciamento da política. Nossos atos docentes reproduzem uma concepção curricular alinhada com o PPC que por sua vez está orientado por uma concepção politica de sociedade. Se o ordenamento curricular é o esqueleto do curso, o PPC é a alma do curso, e mais que isso, é o livro sagrado ao qual devemos com certa frequência  recorrer para guiar nossas ações mais imediatas, e a médio prazo submete-lo a revisões, pois já não lidamos com dogmas e sim com sociedades vivas e distintas, que demandam respostas especificas que levem em conta os avanços científicos e tecnológicos e a cultura no seu sentido mais amplo.