terça-feira, 7 de julho de 2015

DISCURSO AOS FORMANDOS DE MEDICINA DA UFAL - TURMA 2015.1


É com imenso prazer que vos falo nesta cerimônia de colação de grau para homenagear a nova turma de bacharéis em medicina. Como diretor da unidade, porto o símbolo da responsabilidade, o dever do zelo ético, pelo cuidado compartilhado para com o ensino técnico e o humanizado, e o bem estar de todos que compõem a Faculdade de medicina da UFAL. E em nome de todos os demais docentes e técnicos da FAMED, presentes e ausentes, com o calor das palavras e das emoções, saudamos os formandos e mantemos vivo, nesta cerimônia, o fogo do conhecimento mais antigo sobre o cuidado ético da saúde humana. Vivo desde que alguém precisou do cuidado de outro e este cuidado foi repetido até transformar-se em técnica, em conhecimento, sendo repassado por gerações de escravos, curandeiros, pitonisas, bruxas, cirurgiões-barbeiros, pajés, charlatães, até transformar-se no que conhecemos como a medicina biotecnológica de hoje. Conhecimento vivo, de investigação e transmissão oral no inicio, artesanal na idade média, empírica desde Descartes, e por fim, em nossos dias, tecnológico-digital. Nesta sumaríssima história da medicina e do ensino médico podemos admitir que a medicina nunca foi uma só, o ensino médico modificou-se com os avanços sociais e educacionais, e a ética para a formação e para o exercício da medicina também teve que se adaptar aos desafios impostos por estas transformações. De uma relação monárquica com os pacientes em que a palavra do médico era soberana, podendo, no entanto, ser punido por seus erros mais grosseiros, vigente desde Hipócrates até meados do século XX, a medicina passou a dialogar com os demais profissionais da saúde, em um modelo oligárquico para administrar a relação médico-paciente, sem considerar os principais interessados que ainda eram submissos à ordem profissional, mantendo este modelo até a consternação mundial com o abuso perpetrado por médicos no regime nazista, e em outras situações históricas envolvendo a pesquisa com seres humanos. É somente na segunda metade do século XX que por meio de lutas sociais por direitos humanos, gerando pactos e declarações nacionais e universais, a humanidade, na condição de vulnerabilidade, tem seus direitos minimamente assegurados, tais como autonomia para decidir sobre o tratamento proposto, pelo prognóstico, pelo inicio e fim da vida, e a justiça relativa à distribuição de recursos à saúde que tem garantido qualidade de vida a grupos antes condenados à escuridão das diferentes fases e faces do preconceito.
A medicina, profissão de tradição milenar humanitária tem tentado se adaptar, não sem sangrar e sofrer, a estas transformações que exigem o esforço corporativo de suas instituições e lideranças, no campo da técnica e do ensino, para reconhecer seus limites éticos no tempo da globalização, do interprofissionalismo, do individualismo consumista, do moralismo encobridor da ética perversa, e transformar-se para reconhecer que os direitos dos pacientes, em sua condição de fragilidade, são mais importantes que os de subjugá-los a preceitos e fórmulas adaptadas ao nosso tempo, e que serão modificadas permanentemente, como a própria vida. Assim, o CFM tem participado e muitas vezes liderado, e compartilhado de decisões que afetam o nosso bem estar, nossos modos de convivência com o próprio corpo e com os demais, posicionando-se a favor do aborto terapêutico, do consentimento informado na pesquisa e na relação com o paciente, do testamento vital, da cirurgia de transexualidade, da pesquisa com células tronco, do uso compassivo de canabidiol para crianças com epilepsia refratária a outros tratamentos.
Temos, no entanto, que enfrentar outros aspectos da vida pessoal e profissional, dependentes da necessidade de equilíbrio entre a proteção pessoal e do paciente, das comunidades e da nação, retomados com o processo de redemocratização e tornados campo de conflitos em função do desenvolvimento mesmo das profissões, da ciência e da tecnologia, e da hegemonia do capital em sua face atual neoliberal que financeiriza a vida.
 É um desafio permanente promover a maturidade profissional para compreender as mudanças mais gerais nos códigos de leis que devem proteger toda a nação, e assentando-se em bases democráticas garantir a constituição do laço social ampliando direitos e a proteção necessária aos mais vulneráveis, no caso da medicina e demais profissões de saúde a proteção prioritária aos grupos com vulnerabilidade biologica, economica, social, adaptando os códigos específicos corporativos às novas realidades.
Neste sentido, a atenção primária às comunidades carentes é prioridade e devemos concentrar esforços para sua ampliação com a qualidade necessária, realidade ainda distante. É nossa responsabilidade apoiar a qualificação dos preceptores da rede SUS, e ampliar a presença de graduandos e residentes na atenção primária. Bem como, para o exercício interprofissional solidário e de garantia da autonomia dos usuários devemos investir na formação e prática que ultrapasse a ética profissional dos deveres para considerar a reflexão sobre a vida em uma perspectiva bioética latinoamericana.
Portanto, caros formandos a medicina nunca foi exercida de forma igual em todas as etapas da civilização e regiões do planeta, e hoje o desafio maior é encarar a fragilidade da vida individual e social, e com a força humanitária que sempre guiou o exercício profissional, entender que o corpo vivo do qual falamos é o corpo social, o trabalho para a vida é o solidário e interprofissional, e a ética profissional deve estar subjugada à ética da vida e do respeito ao outro.
Se não conseguimos nestes seis anos faze-los compreender estes novos papéis é porque a medicina não apresenta unidade em seus interesses, estando ainda subjugada aos interesses comerciais que reduzem a vida a bens negociáveis. Que não seja esta a última aprendizagem sobre o exercício ético profissional, e não entendam como conselho, mas sim como advertência para que não sofram as consequências no próprio corpo da inflexibilidade de quem não consegue adaptar-se ao mundo do trabalho em saúde como é hoje, e se refugia no isolamento arrogante de papéis do passado.
A universidade para os discentes é como um conto de fadas muito diferente do futuro mundo do trabalho. Nela entramos como em um livro mágico e conhecemos outros personagens dando sentido a enredos individuais que se entrelaçam em uma história maior, que conta a historia de cada um de nós. Tramas de amizades, amores, intrigas, decepções, revelações, autodescobertas, entre amigos, paixões e revoltas com os professores, aprendizagem de autonomia e papéis adultos renegociados diariamente com os pais e amigos, preparatórios para as despedidas como esta que acontece hoje. Enquanto celebramos a conquista dizemos que estamos prontos para a partida, para deixá-los partir. Ficamos com a lembrança da marca singular que cada um conferiu neste enredo de trocas afetivas que permitiu a aprendizagem dos limites de uma profissão e de si.
Cabe a vocês, jovens médicos um legado de conhecimento milenar para viver com a mesma alegria vivida na universidade, e a partir de agora contribuir para transformar as práticas do cuidado em saúde em relações que promovam uma sociedade igualitária e eticamente saudável.
Parabéns a todos, e aos familiares, pela conquista. Sucesso e felicidade em suas futuras escolhas.




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