É com imenso prazer que vos falo
nesta cerimônia de colação de grau para homenagear a nova turma de bacharéis em
medicina. Como diretor da unidade, porto o símbolo da responsabilidade, o dever
do zelo ético, pelo cuidado compartilhado para com o ensino técnico e o humanizado,
e o bem estar de todos que compõem a Faculdade de medicina da UFAL. E em nome
de todos os demais docentes e técnicos da FAMED, presentes e ausentes, com o
calor das palavras e das emoções, saudamos os formandos e mantemos vivo, nesta
cerimônia, o fogo do conhecimento mais antigo sobre o cuidado ético da saúde
humana. Vivo desde que alguém precisou do cuidado de outro e este cuidado foi
repetido até transformar-se em técnica, em conhecimento, sendo repassado por
gerações de escravos, curandeiros, pitonisas, bruxas, cirurgiões-barbeiros, pajés,
charlatães, até transformar-se no que conhecemos como a medicina biotecnológica
de hoje. Conhecimento vivo, de investigação e transmissão oral no inicio,
artesanal na idade média, empírica desde Descartes, e por fim, em nossos dias,
tecnológico-digital. Nesta sumaríssima história da medicina e do ensino médico
podemos admitir que a medicina nunca foi uma só, o ensino médico modificou-se
com os avanços sociais e educacionais, e a ética para a formação e para o
exercício da medicina também teve que se adaptar aos desafios impostos por
estas transformações. De uma relação monárquica com os pacientes em que a
palavra do médico era soberana, podendo, no entanto, ser punido por seus erros
mais grosseiros, vigente desde Hipócrates até meados do século XX, a medicina
passou a dialogar com os demais profissionais da saúde, em um modelo
oligárquico para administrar a relação médico-paciente, sem considerar os
principais interessados que ainda eram submissos à ordem profissional, mantendo
este modelo até a consternação mundial com o abuso perpetrado por médicos no
regime nazista, e em outras situações históricas envolvendo a pesquisa com
seres humanos. É somente na segunda metade do século XX que por meio de lutas
sociais por direitos humanos, gerando pactos e declarações nacionais e
universais, a humanidade, na condição de vulnerabilidade, tem seus direitos
minimamente assegurados, tais como autonomia para decidir sobre o tratamento
proposto, pelo prognóstico, pelo inicio e fim da vida, e a justiça relativa à
distribuição de recursos à saúde que tem garantido qualidade de vida a grupos
antes condenados à escuridão das diferentes fases e faces do preconceito.
A medicina, profissão de tradição
milenar humanitária tem tentado se adaptar, não sem sangrar e sofrer, a estas
transformações que exigem o esforço corporativo de suas instituições e
lideranças, no campo da técnica e do ensino, para reconhecer seus limites
éticos no tempo da globalização, do interprofissionalismo, do individualismo
consumista, do moralismo encobridor da ética perversa, e transformar-se para
reconhecer que os direitos dos pacientes, em sua condição de fragilidade, são
mais importantes que os de subjugá-los a preceitos e fórmulas adaptadas ao
nosso tempo, e que serão modificadas permanentemente, como a própria vida.
Assim, o CFM tem participado e muitas vezes liderado, e compartilhado de
decisões que afetam o nosso bem estar, nossos modos de convivência com o
próprio corpo e com os demais, posicionando-se a favor do aborto terapêutico,
do consentimento informado na pesquisa e na relação com o paciente, do
testamento vital, da cirurgia de transexualidade, da pesquisa com células
tronco, do uso compassivo de canabidiol para crianças com epilepsia refratária
a outros tratamentos.
Temos,
no entanto, que enfrentar outros aspectos da vida pessoal e profissional,
dependentes da necessidade de equilíbrio entre a proteção pessoal e do
paciente, das comunidades e da nação, retomados com o processo de
redemocratização e tornados campo de conflitos em função do desenvolvimento
mesmo das profissões, da ciência e da tecnologia, e da hegemonia do capital em
sua face atual neoliberal que financeiriza a vida.
É um desafio permanente promover a maturidade
profissional para compreender as mudanças mais gerais nos códigos de leis que
devem proteger toda a nação, e assentando-se em bases democráticas garantir a
constituição do laço social ampliando direitos e a proteção necessária aos mais
vulneráveis, no caso da medicina e demais profissões de saúde a proteção prioritária
aos grupos com vulnerabilidade biologica, economica, social, adaptando os
códigos específicos corporativos às novas realidades.
Neste
sentido, a atenção primária às comunidades carentes é prioridade e devemos
concentrar esforços para sua ampliação com a qualidade necessária, realidade
ainda distante. É nossa responsabilidade apoiar a qualificação dos preceptores
da rede SUS, e ampliar a presença de graduandos e residentes na atenção
primária. Bem como, para o exercício interprofissional solidário e de garantia
da autonomia dos usuários devemos investir na formação e prática que ultrapasse
a ética profissional dos deveres para considerar a reflexão sobre a vida em uma
perspectiva bioética latinoamericana.
Portanto,
caros formandos a medicina nunca foi exercida de forma igual em todas as etapas
da civilização e regiões do planeta, e hoje o desafio maior é encarar a
fragilidade da vida individual e social, e com a força humanitária que sempre
guiou o exercício profissional, entender que o corpo vivo do qual falamos é o
corpo social, o trabalho para a vida é o solidário e interprofissional, e a
ética profissional deve estar subjugada à ética da vida e do respeito ao outro.
Se
não conseguimos nestes seis anos faze-los compreender estes novos papéis é
porque a medicina não apresenta unidade em seus interesses, estando ainda
subjugada aos interesses comerciais que reduzem a vida a bens negociáveis. Que
não seja esta a última aprendizagem sobre o exercício ético profissional, e não
entendam como conselho, mas sim como advertência para que não sofram as
consequências no próprio corpo da inflexibilidade de quem não consegue
adaptar-se ao mundo do trabalho em saúde como é hoje, e se refugia no
isolamento arrogante de papéis do passado.
A
universidade para os discentes é como um conto de fadas muito diferente do
futuro mundo do trabalho. Nela entramos como em um livro mágico e conhecemos
outros personagens dando sentido a enredos individuais que se entrelaçam em uma
história maior, que conta a historia de cada um de nós. Tramas de amizades,
amores, intrigas, decepções, revelações, autodescobertas, entre amigos, paixões
e revoltas com os professores, aprendizagem de autonomia e papéis adultos
renegociados diariamente com os pais e amigos, preparatórios para as despedidas
como esta que acontece hoje. Enquanto celebramos a conquista dizemos que
estamos prontos para a partida, para deixá-los partir. Ficamos com a lembrança
da marca singular que cada um conferiu neste enredo de trocas afetivas que
permitiu a aprendizagem dos limites de uma profissão e de si.
Cabe
a vocês, jovens médicos um legado de conhecimento milenar para viver com a
mesma alegria vivida na universidade, e a partir de agora contribuir para
transformar as práticas do cuidado em saúde em relações que promovam uma
sociedade igualitária e eticamente saudável.
Parabéns
a todos, e aos familiares, pela conquista. Sucesso e felicidade em suas futuras
escolhas.
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