Esse momento, hoje, tem um
significado especial, para vocês e seus familiares, para nós,
educadores, para a medicina, e para a sociedade. Juntos, compomos
parte da humanidade, e quando nos referimos à humanidade abraçamos
séculos de história, de movimento civilizatório, de composição
do que somos hoje, e da medicina que exercemos. Somos a consequência
e os efeitos de um trabalho civilizatório que nos antecede.
Portanto, temos uma história individual, uma história comunitária,
e uma que nos antecede e ultrapassa, civilizatória, de toda a
humanidade. E com a história temos uma responsabilidade como
categoria para com toda a sociedade e para com a humanidade.
Como comunidade, somos um dos
fios que dão forma ao tecido da humanidade. Maceió, Alagoas,
nordeste, Brasil, América Latina, continente americano, seguimos
compondo um tecido, diverso, plural, com todas as cores, todas as
vozes, todos os anseios, todas as injustiças, todas as religiões,
ideologias, egoísmos, fronteiras, casuísmos, expressos como medos e
constrangimentos ou orgulhosas fortalezas, plenas de dignidade, como
desafio e necessidade de superação ou de festa, em que agradecemos
ou celebramos a vida. Quando celebramos, em comunhão, mantemos aceso
o mito, recontamos uma história com a linguagem de nossa época,
damos continuidade à tessitura de uma trajetória civilizatória que
tem a idade cultural da humanidade.
Uma cultura médica ocidental
com seu início contado e recontado há mais de dois mil anos, e da
qual agora vocês também são autorizados a recriar,
aperfeiçoando-se permanentemente, visando a prática ética com as
competências necessárias para o reconhecimento profissional,
individual, e da categoria, considerada a mais confiável pela
sociedade.
Temos, no presente, motivos
suficientes para celebrar o desenvolvimento da medicina: o
prolongamento da vida, com mais qualidade; o diagnóstico, o controle
e a cura de muitas enfermidades; os cuidados paliativos; a
humanização do cuidado; a estratégia em saúde da família.
Conquistas sociais, desenvolvimentos éticos, mesmo que locais, na
gestão da saúde coletiva, são bens sociais, e portanto bens de
toda a humanidade. No entanto, para cada uma dessas situações, os
desafios se impõem para que todas as conquistas sejam consideradas
bens de toda a humanidade, e possam ser usufruídas por todos, sem
distinção, como direito inalienável. A saúde não pode ser
manipulada como mercadoria, ou estratégia politica a serviço do
egoísmo de grupos obcecados por poder. Desse modo, corremos o risco
da perda do sentido da vida.
Doenças emergentes,
resultantes de nosso comportamento egoísta e irresponsável como
espécie, embriagada pelo poder do prolongamento da força, da
juventude, e do tempo de vida, conferidos pelo desenvolvimento
científico, e tecnológico, paradoxalmente, tem mutilado ou ceifado
vidas precocemente. Doenças antes controladas, tem ressurgido, como
a tuberculose, a febre amarela, e a sífilis. No entanto, em tempos
de financeirização de todos os aspectos da vida, as enfermidades
mais comprometedoras da ação para a vida em comunidade são o
egoísmo crescente e seu contraponto imediato, a depressão,
epidêmicos, transformados em estilos de vida medicalizada para
permitir a tolerância, e o mínimo convívio social possível, e a
precarização de uma força de trabalho substituível a qualquer
momento.
A medicina chora e sangra,
perplexa com a quantidade de médicos com depressão, e distúrbios
do comportamento. Dentre tantos desafios no presente, esse é um dos
mais importantes para a medicina, em todo o mundo: reconstituir as
feridas da própria categoria porque são também feridas sociais.
Os desafios no presente,
impõem nunca descuidar de si. A vida saudável só é possível em
relação, em que cuidamos uns dos outros, na escola, na família, no
trabalho, em qualquer ambiente. Não estaríamos aqui para dar
continuidade à história da civilização, e a essa fração de
humanidade, a medicina, se aqueles que nos antecederam não tivessem
enfrentado seus impulsos egoístas, e superado todas as forças
contrárias à paz, à fraternidade, à comunhão, à partilha, à
igualdade, a tudo isso que compõe o que chamamos de amor.
O amor tem muitos nomes:
paixão, empatia, compaixão, solidariedade, fraternidade, ética. A
medicina pode ser um dos nomes do amor, encarnado em cada um de
vocês, com a expressão que a cultura e o desenvolvimento pessoal
nos campos técnico e espiritual permitir. Podemos expressar esse
amor, transformando-o em disponibilidade para o cuidado ético,
responsável, fazendo-o vibrar com intensidade crescente, ampliando
nossos conhecimentos e habilidades, técnicas e relacionais.
Nos últimos seis anos, foi a
universidade o ambiente onde esses aspectos técnicos e relacionais
foram estimulados e desenvolvidos. Esse lugar estranho e familiar
onde tantas memórias boas foram construídas, em relação, de apoio
mútuo, tendo como alicerce a amizade e o respeito, fontes
inesgotáveis de vida futura plena de humanidade.
A disponibilidade para o amor
tem muitas formas: para a medicina, pode ser aquele momento
prolongado da companhia paciente e respeitosa pelo momento exato do
nascimento, ou da morte; a escolha adequada da situação e das
palavras para anunciar diagnósticos e prognósticos desfavoráveis,
e também para celebrar as vitórias com os pacientes. Pode ser
simplesmente, o cultivo do silêncio para aprender a ouvir.
A disponibilidade para o amor
pode ser cultivada durante toda a vida nos mais simples gestos
cotidianos de respeito, de atenção, e de compreensão do sofrimento
de pessoas desconhecidas que cuidamos como se fossem familiares. Pode
ser uma mentira piedosa contada a uma criança com câncer. Ou uma
metáfora da verdade oculta nessa mentira, narrada como um conto de
fadas, para dar sentido e paz espiritual a alguém em sofrimento
insuportável.
Com o progresso tecnológico
temos que progredir também com a ética e reavaliar os valores e
condutas. Por isso, o amor não pode mais receber o nome de
paternalismo, de obstinação terapêutica, de exposição
egocêntrica dos atos de caridade nas redes sociais, de modismos
estéticos sem critérios éticos, de lealdade corporativa acima dos
interesses da sociedade.
A disponibilidade para o amor
está presente, hoje, como amizade, quando nos reunimos para celebrar
entre familiares e amigos, a renovação da medicina, a expectativa
de ampliação futura de cuidados, e alívio de sofrimentos.
A juventude não costuma
esperar. Nossa sociedade é imediatista, apressada. No entanto, a
prática médica humanizada, o aprendizado da disponibilidade para o
amor, exige a espera. O amor, com todos os seus nomes e formas espera
pacientemente que o jovem o encontre: na dedicação ao
aperfeiçoamento pessoal técnico e ético para a prática com a
técnica e a palavra cuidadosa para evitar mais sofrimento; na
compreensão dos limites da vida; na pesquisa ética para
proporcionar mais qualidade de vida para todos; no posicionamento
politico para defender a alocação de recursos públicos escassos em
defesa dos mais vulnerados, e ambientes de trabalho saudáveis; na
defesa do trabalho cooperativo, solidário, e no respeito a todos os
profissionais nas equipes de saúde; no autocuidado e no cuidado de
suas relações familiares e de amizade.
Tenham uma vida boa e
saudável. Curem, reabilitem, previnam, mas também promovam saúde.
Para isso é preciso que amem, confiem, criem, apoiem-se, criem
laços, julguem menos e compreendam mais, viajem muito, dancem e
celebrem cada conquista, sejam sinceros com as crianças e os
adolescentes, acolham os mais vulnerados, e surpreendam a
mediocridade, a hipocrisia, e sua face de ódio que contamina o
mundo, desenvolvendo a capacidade ética do discernimento de valores
apropriados para a democracia e a paz.
Mantenham acesa a chama do
desejo aspirando à boa prática. Inspirem-se nas boas práticas dos
profissionais que equilibram evidência e experiência pessoal,
técnica e intuição, como um artista da saúde. E inspirem as
futuras gerações.
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