terça-feira, 6 de junho de 2017

DISCURSO NA COLAÇÃO DE GRAU DA TURMA 2017.1

Esse momento, hoje, tem um significado especial, para vocês e seus familiares, para nós, educadores, para a medicina, e para a sociedade. Juntos, compomos parte da humanidade, e quando nos referimos à humanidade abraçamos séculos de história, de movimento civilizatório, de composição do que somos hoje, e da medicina que exercemos. Somos a consequência e os efeitos de um trabalho civilizatório que nos antecede. Portanto, temos uma história individual, uma história comunitária, e uma que nos antecede e ultrapassa, civilizatória, de toda a humanidade. E com a história temos uma responsabilidade como categoria para com toda a sociedade e para com a humanidade.
Como comunidade, somos um dos fios que dão forma ao tecido da humanidade. Maceió, Alagoas, nordeste, Brasil, América Latina, continente americano, seguimos compondo um tecido, diverso, plural, com todas as cores, todas as vozes, todos os anseios, todas as injustiças, todas as religiões, ideologias, egoísmos, fronteiras, casuísmos, expressos como medos e constrangimentos ou orgulhosas fortalezas, plenas de dignidade, como desafio e necessidade de superação ou de festa, em que agradecemos ou celebramos a vida. Quando celebramos, em comunhão, mantemos aceso o mito, recontamos uma história com a linguagem de nossa época, damos continuidade à tessitura de uma trajetória civilizatória que tem a idade cultural da humanidade.
Uma cultura médica ocidental com seu início contado e recontado há mais de dois mil anos, e da qual agora vocês também são autorizados a recriar, aperfeiçoando-se permanentemente, visando a prática ética com as competências necessárias para o reconhecimento profissional, individual, e da categoria, considerada a mais confiável pela sociedade.
Temos, no presente, motivos suficientes para celebrar o desenvolvimento da medicina: o prolongamento da vida, com mais qualidade; o diagnóstico, o controle e a cura de muitas enfermidades; os cuidados paliativos; a humanização do cuidado; a estratégia em saúde da família. Conquistas sociais, desenvolvimentos éticos, mesmo que locais, na gestão da saúde coletiva, são bens sociais, e portanto bens de toda a humanidade. No entanto, para cada uma dessas situações, os desafios se impõem para que todas as conquistas sejam consideradas bens de toda a humanidade, e possam ser usufruídas por todos, sem distinção, como direito inalienável. A saúde não pode ser manipulada como mercadoria, ou estratégia politica a serviço do egoísmo de grupos obcecados por poder. Desse modo, corremos o risco da perda do sentido da vida.
Doenças emergentes, resultantes de nosso comportamento egoísta e irresponsável como espécie, embriagada pelo poder do prolongamento da força, da juventude, e do tempo de vida, conferidos pelo desenvolvimento científico, e tecnológico, paradoxalmente, tem mutilado ou ceifado vidas precocemente. Doenças antes controladas, tem ressurgido, como a tuberculose, a febre amarela, e a sífilis. No entanto, em tempos de financeirização de todos os aspectos da vida, as enfermidades mais comprometedoras da ação para a vida em comunidade são o egoísmo crescente e seu contraponto imediato, a depressão, epidêmicos, transformados em estilos de vida medicalizada para permitir a tolerância, e o mínimo convívio social possível, e a precarização de uma força de trabalho substituível a qualquer momento.
A medicina chora e sangra, perplexa com a quantidade de médicos com depressão, e distúrbios do comportamento. Dentre tantos desafios no presente, esse é um dos mais importantes para a medicina, em todo o mundo: reconstituir as feridas da própria categoria porque são também feridas sociais.
Os desafios no presente, impõem nunca descuidar de si. A vida saudável só é possível em relação, em que cuidamos uns dos outros, na escola, na família, no trabalho, em qualquer ambiente. Não estaríamos aqui para dar continuidade à história da civilização, e a essa fração de humanidade, a medicina, se aqueles que nos antecederam não tivessem enfrentado seus impulsos egoístas, e superado todas as forças contrárias à paz, à fraternidade, à comunhão, à partilha, à igualdade, a tudo isso que compõe o que chamamos de amor.
O amor tem muitos nomes: paixão, empatia, compaixão, solidariedade, fraternidade, ética. A medicina pode ser um dos nomes do amor, encarnado em cada um de vocês, com a expressão que a cultura e o desenvolvimento pessoal nos campos técnico e espiritual permitir. Podemos expressar esse amor, transformando-o em disponibilidade para o cuidado ético, responsável, fazendo-o vibrar com intensidade crescente, ampliando nossos conhecimentos e habilidades, técnicas e relacionais.
Nos últimos seis anos, foi a universidade o ambiente onde esses aspectos técnicos e relacionais foram estimulados e desenvolvidos. Esse lugar estranho e familiar onde tantas memórias boas foram construídas, em relação, de apoio mútuo, tendo como alicerce a amizade e o respeito, fontes inesgotáveis de vida futura plena de humanidade.
A disponibilidade para o amor tem muitas formas: para a medicina, pode ser aquele momento prolongado da companhia paciente e respeitosa pelo momento exato do nascimento, ou da morte; a escolha adequada da situação e das palavras para anunciar diagnósticos e prognósticos desfavoráveis, e também para celebrar as vitórias com os pacientes. Pode ser simplesmente, o cultivo do silêncio para aprender a ouvir.
A disponibilidade para o amor pode ser cultivada durante toda a vida nos mais simples gestos cotidianos de respeito, de atenção, e de compreensão do sofrimento de pessoas desconhecidas que cuidamos como se fossem familiares. Pode ser uma mentira piedosa contada a uma criança com câncer. Ou uma metáfora da verdade oculta nessa mentira, narrada como um conto de fadas, para dar sentido e paz espiritual a alguém em sofrimento insuportável.
Com o progresso tecnológico temos que progredir também com a ética e reavaliar os valores e condutas. Por isso, o amor não pode mais receber o nome de paternalismo, de obstinação terapêutica, de exposição egocêntrica dos atos de caridade nas redes sociais, de modismos estéticos sem critérios éticos, de lealdade corporativa acima dos interesses da sociedade.
A disponibilidade para o amor está presente, hoje, como amizade, quando nos reunimos para celebrar entre familiares e amigos, a renovação da medicina, a expectativa de ampliação futura de cuidados, e alívio de sofrimentos.
A juventude não costuma esperar. Nossa sociedade é imediatista, apressada. No entanto, a prática médica humanizada, o aprendizado da disponibilidade para o amor, exige a espera. O amor, com todos os seus nomes e formas espera pacientemente que o jovem o encontre: na dedicação ao aperfeiçoamento pessoal técnico e ético para a prática com a técnica e a palavra cuidadosa para evitar mais sofrimento; na compreensão dos limites da vida; na pesquisa ética para proporcionar mais qualidade de vida para todos; no posicionamento politico para defender a alocação de recursos públicos escassos em defesa dos mais vulnerados, e ambientes de trabalho saudáveis; na defesa do trabalho cooperativo, solidário, e no respeito a todos os profissionais nas equipes de saúde; no autocuidado e no cuidado de suas relações familiares e de amizade.
Tenham uma vida boa e saudável. Curem, reabilitem, previnam, mas também promovam saúde. Para isso é preciso que amem, confiem, criem, apoiem-se, criem laços, julguem menos e compreendam mais, viajem muito, dancem e celebrem cada conquista, sejam sinceros com as crianças e os adolescentes, acolham os mais vulnerados, e surpreendam a mediocridade, a hipocrisia, e sua face de ódio que contamina o mundo, desenvolvendo a capacidade ética do discernimento de valores apropriados para a democracia e a paz.

Mantenham acesa a chama do desejo aspirando à boa prática. Inspirem-se nas boas práticas dos profissionais que equilibram evidência e experiência pessoal, técnica e intuição, como um artista da saúde. E inspirem as futuras gerações.  

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